Estava furiosa. E isso notava-se em tudo o que fazia.
A injustiça incendiava as minhas faces e fazia-me guinchar como um galo emproado no topo do meu poleiro.
Sabia-me bem. Admito. E o meu ego empanturrava-se com todo esse drama.
A única pessoa que não se apercebia do ridículo era mesmo eu.
Demorei mais de um ano da minha vida a chegar ao ponto de ruptura. Mas entre as queixas e as mágoas percebi que em todos os momentos de revolta estava apenas a causar mais dor para mim e para os outros.
Não vou dizer que acordei de repente e percebi tudo. Na verdade, não percebi nada. Apenas percebi que tinha percebido tudo mal!
Mas deixa-me recuar um pouco…
Todo o drama começou quando passou a fase do romance no meu contacto com o mundo do trabalho.
Nunca deixei de gostar daquilo que faço. Mas comecei a aperceber-me de pequenos grandes pormenores que espetaram com o romance no esgoto.
Foi um acordar violento. E eu, na minha sede de provar que estava a ser injustiçada, fiz o que toda a gente faz – nada. A não ser queixar-me claro. Isso fi-lo aos potes.
O que significa realmente queixar
O excesso de queixas levou-me a perceber que queixar não implica apenas mostrar insatisfação. Existe também um prazer perverso em culpar os outros pelos nossos azares.
E queixar implica também obrigar aqueles que nos são mais próximos a servir de audiência para as nossas neuroses.
Mais tarde comecei a sentir um certo sabor amargo na boca sempre que me queixava. E acabei por perceber que toda essa postura de vítima não só estava errada, como me fazia sentir ainda pior com toda a situação.
Em pouco tempo deixei de me identificar com as minhas palavras e atitudes. E nesse pequeno espaço consegui perceber que tinha exagerado e permitido que o drama se complicasse apenas para poder sentir mais pena de mim.
Contudo, por muito errada que estivesse, não há como negar que o mundo do trabalho actual se encontra afogado na sua própria insanidade.
O trabalho e a insanidade
Existe algo de sinistro nos loucos que discutem sozinhos pela rua fora.
Tão sinistro que falhamos em perceber que a única diferença entre nós e esses loucos reside no simples facto de nós termos audiência para os nossos delírios e eles não.
Munidos com as nossas neuroses dedicamo-nos a criar
stress todos os dias e a toda a hora.
Deliramos com a possibilidade de falhar ou de ser bem-sucedidos. E participamos no delírio coletivo de um local de trabalho altamente especializado em difundir o medo e o
stress para assegurar a continuidade da sua própria insanidade.
E como nos dedicamos a criar
stress (e a deixar que outros o criem para nós) a nossa mente vive ligada a um futuro que pode nunca chegar a acontecer.
Enquanto
stressamos estamos desligados do presente. E só raramente experimentamos momentos de consciência verdadeira em que pensamos:
“Já é sexta-feira!?”
“Já estamos no final de Setembro!?”
“Já passou um ano!!??”
O
stress torna-nos cegos ao passar do tempo.
E muitas vezes ficamos tão absorvidos por essa cultura que a nossa mente começa a ter dificuldades em deixar o local de trabalho. Mesmo quando o corpo já saiu há muito de lá.
Mudar a infelicidade
Quanto mais me revoltava com a minha situação pior me sentia ao fim do dia.
Ter que carregar toneladas de ressentimentos durante a minha jornada de trabalho só tornou tudo mil vezes mais difícil para mim.
A princípio não pude fazer nada a não ser observar o meu comportamento delirante ao longo do dia. E foi nesse nada que encontrei a minha resposta.
Mudar a minha infelicidade passou por estar mais presente. E por evitar viver alienada e obcecada com os problemas que muitas vezes só existiam na minha cabeça.
Passou por admirar as coisas pequenas e por aceitar que, por agora, tenho uma tarefa pela frente e que devo levá-la até ao fim.
Estar presente resume-se a estar atento sem julgar as pessoas ou as circunstâncias. E embora esse estado seja incrivelmente difícil de atingir, a sensação que fica por ganhamos a consciência que somos muito mais que os nossos delírios é revigorante.
Despindo a insanidade
Todos nós, em algum momento das nossas vidas, nos identificamos excessivamente com o nosso trabalho.
Vivemos tudo duma forma muito intensa, em especial, a insanidade colectiva. E tudo isso se torna demasiado relevante e demasiado importante para nós.
Para ser dolorosamente sincera penso que pouco podemos fazer para a actual ética de trabalho. É uma cultura madura e estabelecida com um reinado épico que continua, nos dias de hoje, com muita força.
O único que podemos realmente fazer, sem perder a nossa sanidade no processo, é ganhar consciência dessa insanidade. Especialmente quando ela nos fizer uma rasteira e nos morder o rabo sem a mínima provocação.
Reconhecer a insanidade…
… e aprender a viver com ela
“There is more to life than increasing its speed.”
“Há mais na vida do que aumentar a sua velocidade.”
Mohandas Gandhi
Temos que admitir que, por vezes, procuramos algo no trabalho. Algo que, no fundo, sabemos que o trabalho apenas não nos pode dar.
Procuramos preencher um vazio e encontrar um significado. E mesmo quando começamos a suspeitar que não é no trabalho que o vamos encontrar, continuamos a escavacar na esperança de encontrar “algo”, seja lá o que isso for.
Demasiadas vezes, trabalhamos demais porque, ao fim dalguns meses (ou anos) de
stress intenso deixamos de saber como viver a vida sem toda essa pressão. Os nossos tempos livres enchem-se de ansiedade e medo, que nos apressamos a tentar tapar, com mais trabalho e preocupações.
Demasiadas vezes perdemos tanto tempo a trabalhar como aquele que perdemos a mostrar dedicação.
Claro que a dedicação em si não tem nada de mal! O problema nasce quando atafulhamos a nossa lista de tarefas com pequenas coisas que têm como único propósito mostrar a nossa dedicação e prender-nos no trabalho até mais tarde.
Coisas que teriam melhores resultados se fossem adiadas para outro momento.
Coisas que poderíamos delegar e coisas que são absolutamente desnecessárias.
São essas pequenas coisas que, quando deixadas aos seus próprios inventos, vão minando a nossa capacidade para nos dedicarmos aquelas coisas que são realmente importantes.
Fugir a esse ciclo começa com estar presente e com reaprender a viver com a incerteza.
Temos que reconhecer que somos mais do que o nosso trabalho e mais do que as expectativas que os outros têm para nós. Para que o medo não paralise as nossas escolhas.
Temos que reconhecer que leveza do trabalho de forma inteligente bate aos pontos o cansaço do trabalho duro. E que a vida para além do trabalho não é apenas uma necessidade dos fracos, mas uma fonte de motivação para aqueles que são verdadeiramente fortes.
Existem tantas ideias nefastas sobre o trabalho. Crescemos com elas, transmitimo-las e perpetuamo-las num ciclo dominado pela inconsciência.
Talvez seja a altura de o quebrar…