Kit de sobrevivência para a criatividade

Criatividade catapulta-nos sempre para uma visão de pessoas dinâmicas e extraordinariamente energéticas.

Pessoas que vivem à velocidade da luz e que deixam, todos os outros, a comer poeira.

Na realidade, a criatividade é muito menos épica do que aquilo que nos tentam vender.
 


Sgt. Sean Marlow | Official U.S. Air Force



A criatividade já me apanhou em calças de pijama com uma chávena de chá na mão. Já me deu um encontrão quando eu saía da casa de banho. Já correu comigo para apanhar o comboio.

Não existe nada de romântico, nada de magnífico. A criatividade não é nada que se treine. Porque, no fundo, a criatividade consiste em encontrar o novo no meio do familiar, em inovar o velho, em criar o que ainda não existe.

Por isso não pode ser ensinada. Não pode ser treinada. Nem vendida. Nem trocada.

Ela simplesmente existe. E existe de igual forma para cada um de nós.

Vai-se apagando aos poucos com a formatação que recebemos na escola. Morre um pouquito quando a nossa ideia brilhante de querer pôr um porco a voar na peça de teatro da escola é levada a mal por aqueles indivíduos que andam sempre carrancudos.

E morre ainda mais um pouco quando as nossas respostas geniais, fora da caixa, impensáveis recebem um risco vermelho de alto a baixo nos testes e um comentário lacónico do professor: “não percebeu a pergunta!”

A minha vontade era desenhar um avião por cima. E escrever a caneta laranja fluorescente: “desculpe lá, mas foi você que não percebeu a resposta!”.

A criatividade é pensar o que nunca foi pensado. Pelo menos na nossa forma peculiar de pensar.

E logo não pode ser cultivada. Embalada. Produzida em série ou distribuída em massa.



O que podemos treinar é tudo o resto.

É a técnica e a habilidade de estar receptivos ao extraordinário. Aconteça ele onde acontecer.

Treinamos isso ao deixar de ser os idiotas que desenham um chato traço vermelho em cima das ideias inexploradas. Ao deixar de ser os covardes que escrevem e falam sobre o que lhes é familiar com a autoridade rígida de um pseudo-perito ruminante.

A criatividade nasce no fresco. Em escrever de forma diferente. Num papel cor-de-rosa. Com uma caneta azul bebé.

Nasce de concordar com aventuras patéticas, que nos atiram tão completamente para fora da nossa zona de conforto que demoramos imenso tempo a encontrar o caminho de volta.

Para que a criatividade floresça precisamos de lhe dar espaço.

Precisamos de mostrar as nossas ideias. De expô-las. De deixar que elas sejam criticadas e pensar em novas e em melhores ideias. Ideias que nascem de todas as outras que vão ficando pelo caminho.

As ideias são dinâmicas. Como seres vivos. Como microscópicas bactérias que se adaptam, modificam e proliferam sem nunca perder o seu propósito: continuar a crescer.

Pelo menos enquanto houver espaço e comida. E, ao contrário das bactérias, as ideias precisam apenas de espaço mental e de ser alimentadas pela nossa própria recusa em seguir o caminho convencional.

7 comentários:

Isabel | 8 de outubro de 2012 às 23:27

Fantástico!!!!

“A minha vontade era desenhar um avião por cima. E escrever a caneta laranja fluorescente: “desculpe lá, “mas foi você que não percebeu a resposta!”. – palavras minhas para quê?!

A-D-O-R-E-I

André Casal | 9 de outubro de 2012 às 06:56

Olá Ana :) O teu blog está muito giro, parabéns :)

No entanto, não pude deixar de reparar nos contra-sensos deste post e faço este comentário na esperança de que seja útil:
Dizes que a criatividade é algo que faz de nós pessoas dinâmicas e extraordinariamente energéticas, mas que, no entanto, a criatividade é algo que não se treina, nem se cultiva, nem se distribui. É antes algo que "paira no ar" e ao qual apenas podemos (treinar) estar receptivos; precisamos "de lhe dar espaço".
No entanto ser criativo "é pensar o que nunca foi pensado", "nasce [...] [de] escrever de forma diferente. Num papel cor-de-rosa. Com uma caneta azul bébé."

Ora, não acredito que a criatividade seja algo que paira no ar e ao qual apenas podemos estar receptivos, como uma antena. A criatividade é, antes, uma capacidade humana que pode ser comprovadamente treinada. A criatividade é um processo complexo e nasce principalmente de questionarmos aquilo que damos por garantido, por verdade. Ao fazermos isto, e ao chegarmos à conclusão de que algumas coisas que pensávamos ser verdade não o são, dá-se uma alteração de consciência e passamos a ver o mundo de uma maneira ligeiramente mais verdadeira, com mais sentido. Ora, questionar aquilo que temos como garantido não é fácil. Porque as temos como garantido. No entanto, é mais fácil cultivar a nossa criatividade do que possamos pensar: basta termos o hábito de tentarmos ver as coisas de perspectivas contrárias. Já Platão dizia que a formação de uma tese, de uma antítese e de uma sintese é o melhor método para compreender o mundo. E é precisamente ao compreendermos melhor o mundo que nos tornamos mais criativos: porque uma boa ideia, fora da caixa, é útil no mundo real. E não fora dele. E para que isso aconteça, é preciso compreendê-lo.

Está cientificamente comprovado que a criatividade é uma capacidade humana: deixo aqui dois links que acho muito interessantes, pertinentes e que vos podem ajudar a treinar a vossa criatividade.

http://frank.mtsu.edu/~studskl/hd/learn.html (nomeadamente a parte "Left vs. Right")
http://www.youtube.com/watch?v=zDZFcDGpL4U
Ver estes dois links clarifica-nos sobre o que é verdadeiramente a criatividade e o porquê da escola, geralmente, a suprimir.


Cumprimentos,
André Casal

Ana Reis | 9 de outubro de 2012 às 10:39

Obrigada Isabel! Um abraço

Ana Reis | 9 de outubro de 2012 às 11:15

Olá André! Obrigada pela tua visita e contribuição.

Permite-me debater dalgumas ideias que referiste. Mas antes disso queria esclarecer um pequeno aspecto.
Escrevi e publiquei este artigo como um exercício de criatividade. Não pretendia impor a minha visão a ninguém. Nem pretendia desprezar outras visões sobre este tema.

Não disse que a criatividade faz de nós pessoas enérgicas. O que tentei dizer foi que, habitualmente, pensamos que as pessoas criativas são enérgicas e expansivas. Mas, na realidade, nem sempre é assim. As pessoas criativas são, muitas vezes, personagens insuspeitas e podem até ser pessoas bastante introvertidas. Há toda uma crença de que a criatividade nos outros é visível a olho nu, mas nem sempre é assim.
Relendo o texto vejo que talvez não tenho sido clara! Espero que agora me tenha redimido.

Dizes que "a criatividade é um processo complexo e nasce principalmente de questionarmos aquilo que damos por garantido". Para mim isso é a reflexão. Introspecção. E esse estado pode levar a momentos extremamente criativos. Mas a reflexão em si não garante criatividade.
Digo-o porque depois de alguns anos de escrita e depois de ler vários livros e artigos sobre o assunto foi esta a visão que desenvolvi das coisas.

Compreender melhor o mundo e mudar a nossa forma de o pensar, para mim é o que Eckhart Tolle chama do "despertar da consciência". Mais uma vez, sim, é um exercício que pode aumentar a criatividade, mas, por si só não garante que ela aconteça.

Espero que entendas que não estou de todo a discordar daquilo que escreveste. Aliás, tenho que agradacer-te porque, acima de tudo, gosto que questionem a minha visão das coisas. Porque a minha visão não é estática e espero que nunca venha a ser.

Continuo a acreditar que entrar num estado de criatividade não é algo que se treine. Quem o experimenta sabe do que estou a falar. Criatividade acontece quando quer e não quando nós queremos. A criatividade é algo que acontece quando ficamos tão absorvidos numa tarefa que entramos num estranho estado de "flow"! E é esse estado que, a meu ver, não pode ser ensinado nem compreendido a 100%.

Obrigada pelos links que partilhaste. Vou analisá-los assim que tiver oportunidade.

Um abraço,
Ana Reis

André Casal | 9 de outubro de 2012 às 22:00

Olá Ana :)

É seguro assumir que se tens um blog que permite responder, é porque queres ouvir as respostas :) Não precisas de te justificar :)


Ora bem, vamos lá ao que interessa:
A reflexão, por si só, não garante criatividade. Assim como por um ovo dentro de uma frigideira, por si só, não garante uma omolete. Penso que fizeste um pequeno mas crucial equívoco. Repara que eu não identifiquei a criatividade com o questionarmos aquilo que damos por certo. Identifiquei-a antes como um "processo complexo": quero com isto dizer que a criatividade não é um processo mental singular, é antes o resultado de um esforço conjunto de várias regiões do cérebro. É por isso que (a) gera satisfação (a nível químico e hormonal) e (b) gera bons resultados. No entanto, questionarmos aquilo que damos por garantido "pode levar a momentos extremamente criativos". Assim sendo, será que ao treinarmos questionar aquilo que temos por certo, não estamos a treinar a nossa criatividade?

Às vezes somos apanhados de surpresa e somos brilhantemente criativos. Mas isso não implica que a criatividade só aparece quando calha. Apenas implica que a dada altura, por alguns momentos, o teu cérebro funcionou de forma óptima. Repara que há algo comum a todos estes eventos: relaxamento. Com certeza não conheces ninguém que tenha tido um episódio de criatividade sob stress. É quando se juntam as condições necessárias que ocorrem estes episódios. É precisamente por isso que, para quem não a treina, é apanhado de surpresa nas situações mais insólitas: na casa de banho, a tomar o pequeno almoço em pijama, ao olhar pela janela dentro de um taxi, ao acordar, etc. Tudo situações onde o cérebro está relaxado e em que se dá a oportunidade de um funcionamento óptimo.


O que Eckhart Tolle quer dizer pelo despertar da consciência é um pouco diferente. Ele refere-se ao processo de reconhecer a imagem mental que temos de nós próprios e ao posterior distânciamento dessa imagem. De forma muito leiga, nós temos dois EUs dentro de nós: o eu animal, que procura satisfazer todos os seus desejos; e o EU verdadeiro ou superior que está livre desse aprisionamento. A verdadeira felicidade não vem de ter mais um carteira, nem mais dinheiro na conta, nem de ter nada. A verdadeira felicidade vem de ser. Mas para ser, é preciso, primeiro, trabalhar para ser.


Esse tema do "flow", ou em português "estar no momento", é algo porque me interesso já à bastante tempo. Tive-os quando era pequenito mas eventualmente perdi essa capacidade. Hoje em dia consigo ter periodos de flow regularmente com a duração de 1 a 2 dias :) Tu também consegues?


Beijinho,

André Casal | 9 de outubro de 2012 às 22:02

A propósito, obrigado pela sugestão do livro :) Vou considerar lê-lo.

Beijo

Ana Reis | 13 de outubro de 2012 às 18:34

Olá André. Tenho que agradecer-te pelo comentário e pela perspectiva diferente sobre este tema.
Ainda não li o livro que referi, mas tenho lido muitas críticas positivas sobre ele. É sempre interessante conhecer perspectivas diferentes sobre o tema. Ajuda muito a "abrir" os olhos e impede que nos tornemos "snobs" que rejeitam qualquer ideia que não seja familiar e segura.
Reservo-me ao direito de manter a minha opinião. Claro! Mas percebi completamente aquilo que querias transmitir.
Boas leituras e um abraço

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