Porque é que o mundo precisa de Ficção?

A imaginação viaja sempre à frente das nossas conquistas, intelecto e por vezes, viaja até à frente da própria realidade. Júlio Verne ficou conhecido como visionário ao prever o aparecimento das grandes máquinas e feitos. Mas agora sabemos que as suas histórias, mais do que previsões, foram fonte de inspiração para grandes homens e mulheres.

Livro mágico (crédito da imagem: Mike Haufe)

A imaginação ao serviço da evolução permitiu-nos chegar até onde chegamos. No entanto, na sociedade actual, a ficção é pouco mais do que uma forma rudimentar de entretenimento para mentes intelectuais e enfadonhas. E enquanto cresce o mercado dos livros técnicos e de formação profissional, a narrativa parece encolher-se um pouco, vergada sobre o peso da sua inutilidade.

Nem sempre foi assim. Contar histórias costumava ser um meio muito eficaz para educar. As histórias transmitiam valores, agitavam consciências e espicaçavam a imaginação. Por causa de grandes histórias evoluímos e tornamo-nos mais humanos.


Aprender com as histórias



Certa vez um professor disse-me que é impossível explicar a uma pessoa um conceito completamente novo.

Imagina tentar explicar o que é a anti-matéria a uma pessoa que não saiba o que é a matéria, o que são atómos, protões e electrões. Podes fazer uma representação, usar comparações. Mas terás que explicar tanta coisa que acabarás por te perder.

Como nas “Mil e uma noite” estarás a contar uma história dentro de um história, dentro doutra história, dentro doutra história... e quando finalmente explicares todos os conceitos apenas conseguiste confundir a tua audiência.

Tal como não poderias explicar o que é um computador a um homem das cavernas, apenas poderias dizer para que serve e quais os seus componentes. Nem poderias explicar o que é a cor verde a um invisual.

Algumas histórias afectaram para sempre a nossa imaginação e o nosso entendimento do mundo. E penso que, à conta de alguns clássicos como o “Star Trek” a ciência viaja agora a uma velocidade impressionante.

Nos últimos tempos descobrimos tanto que se criou um imenso abismo entre a ciência e a sociedade. Um abismo que poderá nunca ser ultrapassado. E a ficção é a ponte que pode ligar todas as partes desconectadas que constituem o nosso mundo.

Mas o que pode a ficção fazer por ti?

As boas histórias envolvem e inspiram as pessoas. Agitam crenças e levam-nos a pensar profundamente sobre a vida, de uma forma que os livros técnicos nunca o farão.

Porque aprender implica redescobrir os novos conceitos pelos nossos próprios meios. J.K.Rowling podia ter escrito um livro de auto-ajuda a sublinhar a importância das nossas escolhas e das nossas acções. Mas decidiu contar a história de um rapaz que descobriu isso por si mesmo. E com esta história conseguiu inspirar toda uma geração a repensar o mundo e a sua vida.

As histórias seguem uma sequência lógica. E apelam directamente às nossas emoções. Em vez de definirem conceitos “mostram-nos” esses conceitos. E, por isso, as histórias tornam-nos mais receptivos a novas ideias e realidades.

A importância de uma mente aberta

Nos dias que correm nada podia estar mais vulgarizado do que a informação. Ela vende-se a troca de nada e está à distância de um simples clique. Mas esse excesso de informação não parece ter melhorado o nosso nível de conhecimento - uma ferramenta básica para compreendermos e aceitarmos melhor o mundo, outras pessoas e culturas.

Por isso chegamos a um contra-senso... Abunda a informação numa sociedade que aos poucos se vai tornando cada vez mais intolerante. A maior parte das pessoas não só tem dificuldades em compreender novas ideias como rejeitam qualquer conceito que choque com as suas crenças (não falo apenas das crenças religiosas).

Enquanto o mundo cresce e a tecnologia evoluí existem pessoas a serem condenadas (mesmo que apenas socialmente) pelas suas escolhas e ideais. Portanto, a única mudança que realmente nos levará a evoluir enquanto seres humanos é uma mudança a nível de mentalidade e a nível cultural.

Acredito que as excelentes histórias têm o poder de quebrar preconceitos e as barreiras que protegem as nossas frágeis crenças. É preciso aprendermos a abrir a nossa mente ao novo e ao inesperado. Para que, em vez de criticarmos os políticos pelas suas más escolhas sejamos capazes de apresentar e defender escolhas melhores.
Conclusão

Ler e escrever ficção não é perda de tempo. É uma forma de crescermos enquanto seres humanos.

Enquanto escritores e blogueiros as histórias permitem-nos conectar com a nossa audiência a um nível mais profundo, quebrar a intolerância que intoxica a nossa sociedade e abrir as mentes das pessoas e novas ideias.

As histórias dão forma e vida às nossas ideias. Tornam-nas mais memoráveis, mais compreensíveis e mais inspiradoras.

Por isso, da próxima vez que escreveres um artigo ou fizeres uma apresentação desafio-te a contar uma história e descobrirás por ti mesmo se o que escrevo é verdade.

Leitura complementar:

9 comentários:

Jackie Freitas | 6 de janeiro de 2011 às 13:18

Olá Ana!
Muito bom o seu post! Excelente essa aproximação entre o real e fictício como forma de aprendizado! Sabe que eu mesma sempre aprendo com filmes e histórias? Como você bem coloca, me fica mais fácil entrar num contexto para poder compreender assuntos que eu desconheço... Acho que uma das riquezas é justamente esse transporte ou simulação. Não sou muito a favor das coisas "didáticas", vamos dizer assim... Prefiro analogias ou até mesmo o uso da imaginação, pensando em como seria se fosse conosco.
Adorei o seu texto! Parabéns!
Grande beijo,
Jackie

Ana Reis | 6 de janeiro de 2011 às 14:37

Olá Jackie! Bem-vinda ao meu blogue. Obrigada pelo elogio e pelo comentário :)
Adorei quando escreve que a riqueza da ficção é a sua capacidade nos transportar. Sinto o mesmo.
As boas histórias sempre nos fazem sonhar e abrem a nossa mente a novas realidades. Embora textos que nos levem passo-a-passo na aprendizagem sejam óptimos para aprender novas habilidades, esse tipo de conhecimento não é o único que devemos cultivar.
O espectacular da humanidade é a capacidade de continuar a sonhar e a capacidade de superar as dificuldades. E as histórias ilustram isso mesmo, e, por isso são um instrumento tão importante na nossa formação pessoal.
Um grande abraço!

Jorge Purgly | 6 de janeiro de 2011 às 14:50

A imaginação é um dom maravilhoso.
Quando a lógica e a imaginação entram em conflito vence sempre a imaginação.
bjs

Ana Reis | 6 de janeiro de 2011 às 14:59

Olá Jorge, seja muito bem-vindo ao blogue. Na verdade penso que a lógica é muitas vezes uma forma de explicar certos fenómenos da nossa imaginação.
É muito comum surgir primeiro o instinto, e depois aplicarmos a lógica para obter a nossa explicação.
Um abraço

Edson Palma | 6 de janeiro de 2011 às 15:40

Sem dúvida a ficção é o placebo, que todo o ser humano deveria consumir, tendo em conta sua eterna usabilidade - Gosto de lembrar aos meus amigos o exercício de recordação que faço de determinada música, que dura uns dez minutos (e é clássica) para fazer minha cabeça abstrair quando fico chateado. Acho esse um recurso mais útil que beber café, ou fumar cigarro!

Essa é minha conclusão sob esse essa útil abordagem feita por você, minha cara Ana C. Reis!

Curti demais essa indicação ( :

Até depois

Ana Reis | 6 de janeiro de 2011 às 15:59

Olá Edson, bem-vindo ao blogue. Muito obrigada pelo seu comentário.
Tirou uma conclusão interessante. A imaginação como exercício de abstracção. É uma óptima maneira de tirar força a alguns pensamentos menos bons. Porque realmente ficar chateado só causa mágoas.
É um recurso muito interessante, embora, exija um certo treino. Tomar café e fumar um cigarro é sempre algo que fazemos sem pensar e acabamos por intensificar mais esses pensamentos menos bons. Por isso, usar a imaginação para os superar é a melhor solução.
Um grande abraço

Paulo | 17 de janeiro de 2011 às 23:21

Como diria Mrs Burns, "Excelent"!

Na minha adolescência li muitos livros de ficção, especialmente ficção científica. Li uma grande quantidade de livros de bolso da colecção "Argonauta".
Aprendi que até as histórias mais fantasiosas podem ter sido baseadas em situações reais. Eu próprio já passei por experiências que seu contasse ninguém acreditaria, mas se eu escrevesse essas mesmas experiências com o rótulo de ficção, as pessoas já aceitam melhor.
Penso, que uma mente aberta é muito mais livre e com mais potencial para crescer.
A ficção, é sem dúvida o meu meio natural. A Realidade é muito mais abrangente do que parece, além do "véu" há muito mais...
Um abraço Ana e continua a escrever acerca da escrita.

Ana Reis | 19 de janeiro de 2011 às 23:20

Olá Paulo! Muito obrigada pelo comentário. É sempre algo muito especial esta interacção com os meus leitores, motiva-me a lutar para ser uma escritora melhor e mais ambiciosa :)
Concordo contigo, acho que todos temos em nós histórias fantásticas, ou que nos aconteceram (e que contado ninguém acredita) ou que sonhamos com elas. E essas histórias por vezes trazem pistas para continuarmos a inovar nos nossos trabalhos, ou a melhorar as nossas capacidades de comunicação e de relacionamento com os outros. A ficção é a janela para o nosso universo interior. Pena que hoje nem sempre se reconheça esse seu poder.
Fico muito feliz que tenhas gostado do artigo. De todos os temas que já tratei é a escrever sobre a escrita que me sinto mais confortável, por isso, podes contar com mais artigos sobre o tema para breve.
Um grande abraço

borges macula | 11 de março de 2012 às 23:47

ana,amei ver os comentários que recebeste,de facto a ficção tem o poder de tranformar a mente humana.o homem aprende pelo lado emotivo,o lado sensorial fala muito alto na construção de personalidade...sem ficção teriamos um mundo simplesmente cálido ou mórbido,um mundo amargo,sem sonhos,sem ilusões...e sem ilusões...não se vive.não se evolui,regride-se...quantas pessoas estariam dispostas a voltar a idade da pedra?quase ninguém...a não ser os que acreditam que vale a pena viver sem sonhos...os mortos talvez...e les já morreram mesmo...

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