A estante abandonada e a gestão do tempo

Os livros são como pregos que se cravam na minha pele. De cada vez que me deparo com o estado de abandono da minha estante sinto que, ao afastar-me, carrego nas minhas costas todo o peso das páginas não-lidas.

Sempre fui uma leitora ávida. Mas o tempo passa e a vida muda. O tempo que tinha em abundância transformou-se num luxo escasso e arrastou consigo muitos dos meus sonhos. Deparei-me com o dilema de toda uma sociedade que vive absorvida pelo seu trabalho. O dilema da falta de tempo e da falta de capacidade para gerir o tempo que sobra.

[caption id="attachment_783" align="aligncenter" width="518"] The Passage of Time | Toni Carbó[/caption]

Quando o tempo é escasso e o trabalho arrasa com a nossa vitalidade, as actividades que valorizamos tendem a ocupar uma posição secundária. O trabalho passa a ser o protagonista nas nossas vidas e reclama todo o nosso tempo para si.

Quando finalmente chegamos a casa, qualquer réstia de motivação que conseguiu sobreviver à passagem do dia, acaba por ser absorvida pelo cansaço e pela facilidade que é deixarmo-nos levar pela televisão.

O tempo que foge


Contemplar a minha estante, recheada de livros que comprei quase por reflexo, é quase como um despertar para a realidade. Nesses momentos penso: para onde foi o meu tempo afinal? Devolvam-me o meu relógio antigo porque este anda depressa demais!

Foi então que percebi que estava a ser uma perfeita idiota! Cubrir-me de lamúrias nunca resolveu os meus problemas no passado.

É um facto que o tempo é escasso. Que todos os dias me lamento por estar a deixar os meus livros apanhar pó. Por estar a deixar as histórias que quero contar enterrarem-me por baixo das preocupações do quotidiano.

Mas isso não tem que determinar as minhas acções ou sentimentos. Como disse, estava a ser uma idiota.

O velho erro


Inocentemente, estava à espera que os livros arranjassem um "buraco" na minha agenda para serem lidos. E que o meu portátil me perseguisse na esperança que eu me sentisse inspirada para escrever. Estava a cair (outra vez) no velho erro de permitir que o meu tempo se gerisse a si próprio, sem qualquer intervenção inteligente da minha parte.

Bem que podia esperar uma eternidade. Duvido que os meus livros ganhassem, de repente, vontade própria e aparecessem nos momentos mais oportunos e nos cenários mais confortáveis.

Não posso depender dessas casualidades se quero realizar algo de memorável com a minha vida. Não posso esperar por folgas surpresa ou que o dia ganhe mais umas horas.

Depender, apenas, da sorte é a primeiro passo para o abandono das tarefas que mais prazer nos proporcionam.

A angústia pela falta de tempo


A angústia por abandonar actividades que são importantes para nós é um sintoma. Um sintoma de que estás insatisfeito. Podes ignorar essa insatisfação e ser consumido por ela. Eventualmente hás-de habituar-te e os pregos que se cravam na tua pele por adiares certas tarefas tornar-se-ão parte de ti, e acabarás por os esquecer.

É um mecanismo de adaptação e sobrevivência. Todos o possuímos e aplicamos quando a dor da perda se torna avassaladora para nós.

"Agora não é um bom momento", parece-nos, na maior parte das vezes uma desculpa perfeitamente racional. Mas é apenas uma forma de lidar com a nossa incapacidade para controlar o tempo que nos escapa.



Agora que já te assustei com tudo isto espero que me permitas dar-te um conselho. É um conselho que parte duma idiota com boas intenções.

Se te queixas da falta de tempo existem três perguntas que deves fazer a ti próprio:

  1. Como é que eu estou a gastar o meu tempo?

  2. Essas actividades que preenchem o meu escasso tempo são relevantes na conquista pelos meus objectivos?

  3. Como preferia passar o meu tempo?



Se for preciso faz estas perguntas todos os dias, várias vezes ao dia. É uma forma de relembrares que desejar que as coisas aconteçam não é suficiente.

Quando sentires a angústia a aflorar quero que saibas que podes sempre dar-lhe um pontapé no rabo e expulsá-la da tua vida. Porque o interessa é o que podes fazer a partir deste momento, não interessa o passado e o tempo desperdiçado. Interessa o agora.



Quanto ao meu problema de falta de tempo para a leitura achei que ias gostar de saber a solução que encontrei:

Fazer um calendário de leitura.

Saber que tenho um prazo a cumprir obriga-me a levar um livro para todo o lado. Obriga-me a estar constantemente à procura de uma oportunidade para criar um "buraco" na minha agenda.

Não interessa se é o momento ideal para dedicar à leitura. Se eu for esperar pelo ideal convém deixar de comprar livros porque aqueles que possuo poderiam entreter-me toda uma vida.

Por causa dessa atitude dei por mim a desfrutar da leitura como não o fazia desde que fui apanhada pela vida universitária.

Estabelecer prazos é tão importante como estabelecer metas. As metas é sítio para onde queres ir. Mas se dependeres apenas da sorte para chegar lá podes desperdiçar toda uma vida a correr atrás de objectivos pouco importantes.

Até breve
créditos da imagem: Toni Verdú Carbó

12 comentários:

AReis | 20 de abril de 2011 às 01:47

Olá Ana. Gostei muito deste post. Também eu me debato com problemas semelhantes. O tempo parece sempre escasso, no entanto todos os dias nos dão 24 horas fresquinhas por estrear. Se não as usarmos, puff, desaparecem para sempre, mas a cada dia lá está novo fornecimento à nossa disposição.
Saber gerir o tempo é uma arte complicada, e com as exigências da nossa vida, cada vez mais preenchida, tornou-se uma arte rara.
No entanto não podemos, nem devemos, desistir. O meu conselho, é semelhante aos que indicou. Começa por ter uma noção do que queremos ou temos de fazer. Inclui descansar, trabalhar, ir às compras, hobbies, conviver, etc. É claro que nunca será uma lista exaustiva, mas permite identificar algumas prioridades. Depois é apenas jogar com as prioridades, e não esquecer de reservar sempre algum tempo para uma actividade não crítica, que pode ser jogar um jogo, dar um toque aos amigos, fazer aquela tarefa chata que andamos a adiar...
Se encontrarmos um método, a coisa até pode funcionar :)

Marisa Lopes | 21 de abril de 2011 às 12:11

Olá Ana!

Ao ler este post, revi-me na mesma situação.. A espera pela folga surpresa, que nunca parecerá, leva-nos a que adiemos contanstemente aquilo que realmente queremos fazer. Por isso já que não somos capazes de gerir o nosso tempo, então nada melhor que nos obrigarmos a fazer isso, estabelencendo prazos..

Começo achar que as pessoas apesar de cometerem mais erros quando trabalham sobre stress, acabam por ser mais produtivas, visto que, pelo menos não arranjam motivos para empatar ainda mais essa tarefa..

Gostei muito da tua sugestão..

Beijinhos
*****
Marisa Lopes

Jackie Freitas | 21 de abril de 2011 às 22:18

Olá Ana querida!
Desculpe-me pelo atraso, mas estou aqui, também, me debatendo contra o tempo...
Tenho feito algumas perguntas para tentar compreender como esse meu atual relógio passa mais rápido do que o antigo! Adorei essa sua colocação!
Cheguei à conclusão de que nada adianta reclamar...ele correrá do mesmo modo e, pior, ainda nos tomará preciosos minutos que poderíamos estar fazendo algo mais produtivo.
Como tenho revisto alguns conceitos e metas, entreguei-me ao meu prazer, gerindo o meu tempo para proporcionar-me coisas que quero. Não aceito mais cobranças externas e nem julgamentos, principalmente os que partiam de mim mesma!
Estava esses dias comentando com uma amiga que se no meio da limpeza, com a vassoura nas mãos, me der vontade de sentar-me para telefonar a uma amiga ou apenas assistir televisão, assim o farei sem culpa alguma... Os livros estou resgatando aos poucos, sem pressa e sem pressão, porque eles também, de alguma forma, seja pelo pó acumulado ou envelhecimento, também nos fazem cobranças... então, a melhor forma de superar tudo isso (para mim), foi parar de olhar para as coisas que me aprisionavam e olhar melhor para mim... Isso tem me libertado!
Grande beijo e parabéns por mais um belíssimo e reflexivo texto!
Jackie

Ana Karenina | 22 de abril de 2011 às 02:32

Oi Ana

Também já passei por este momento de não ter tempo, disposição e vontade de ler por prazer, passei o período de 2003 a 2010 (isso mesmo, 7 anos) lendo apenas por obrigação, livros técnicos, coisas pra concurso e quase nenhuma leitura prazerosa, nenhuma literatura despretensiosa, me sentia culpada, incapaz de reagir, mas fiquei nesse estado de letargia por causa dos estudos e trabalhos de graduação, concurso e especialização, só agora sem estas obrigações me senti mais livre pra voltar a ler, me animei com o primeiro livro e gostei tanto que resolvi continuar e agora não páro mais de ler, viciei, a leitura me acalma, me disttrai, me faz feliz, me faz aprender e tantos outros benefícios incontáveis.

Acho que com você pode ser assim quando você tiver com a mente mais tranquila, quando se permitir devagarinho, sem pressão interna, quando esse dia chegar você vai gostar tanto que não vai mais querer parar.

Boa sorte nisso.

Um Abraço

@anakint

Ana Reis | 22 de abril de 2011 às 10:53

Olá, muito obrigada pela visita e pelo comentário!
Gostei muito de uma coisa que escreveste: que todos os dias nos dão 24horas frescas e por estrear.
Sabes, eu penso que ter essa noção é muito importante. Porque muitas vezes passamos tantos dias sob pressão, em que o nosso tempo se esgota no nosso trabalho que nos esquecemos que cada dia é um renascer. Que hoje podemos fazer as coisas de uma forma diferente.
É muito importante não perdermos essa noção de que podemos mudar a forma como nos relacionamos com o nosso tempo.

Gerir bem o nosso tempo é, sem dúvida, uma arte de rara. Nunca como agora tivemos ao nosso dispor tanta informação e tantas formas de entretenimento. Como resultado a nossa mente passou a trabalhar de forma diferente, e o mundo simples dos nossos avós tornou-se um cenário complexo, difícil de lidar.

É como escreveste. Temos que ir definindo prioridades. E temos que o fazer a cada dia. Especialmente quando formos apanhados pela angústia.
Quando a angústia e o cansaço apertam é o momento ideal para nos sentarmos e perguntar a nós próprios: o que posso fazer para mudar o rumo da minha vida?

Um grande abraço ;)

Ana Reis | 22 de abril de 2011 às 11:00

Olá Marisa! Que boa surpresa receber um comentário teu!
Já não me lembro quem foi que disse: "se quiseres uma tarefa bem feita deixa-a nas mãos de uma pessoa ocupada". E é uma verdade.

O problema é que nem todos conseguimos manter um alto nível de produtividade quando o stress se torna insuportável. Cada vez mais acredito que manter a produtividade é uma questão de atitude. E nem todos somos capazes de manter uma atitude positiva quando é já muito tarde e ainda temos dezenas de coisas por fazer.

No entanto, concordo contigo. Quanto mais actividades tivermos mais somos obrigados a aprender a gerir o nosso tempo. E isso é algo que temos que fazer por nós próprios. Podemos sempre pedir ajuda e procurar conselhos em quem já passou por uma situação semelhante. Mas, no fim do dia, essa é uma aprendizagem muito pessoal e difícil.

Estabelecer prazos, por nós próprios e não esperando que os outros o façam por nós é uma atitude libertadora. Porque passamos a fazer as coisas por gosto, sem ter que enfrentar a pressão externa. Pelo menos, é essa a minha opinião.

Beijos enormes :)

Ana Reis | 22 de abril de 2011 às 11:10

Olá Jackie! Ora essa, não precisas de pedir desculpa. Pouco depois de escrever este artigo vi-me a braços com uma situação de falta de tempo impossível. Temi mesmo não ser mais capaz de manter este blog e responder devidamente a todos os comentários que me foram deixando durante a semana.

Gostei muito da tua reflexão. Libertarmo-nos das cobrança externas e internas é muito importante. Caso contrário passamos a viver aprisionados pelos nossos compromissos. E em vez de vivermos plenamente estaremos a viver para a tarefa seguinte da nossa lista. E isso não é viver a sério.

Tocaste numa parte muito importante da produtividade: a vida não é um plano que temos que seguir de forma automática. Não precisamos de planificar tudo e excluir todas as interrupções. Porque essas paragens não planeadas são importantes - não interessa quantas tarefas ainda estejam por concluir na nossa lista.

Não devemos também dar demasiado valor ao nosso tempo. No sentido de que, às vezes, temos que aceitar que vamos "perder" tempo com coisas que são pouco produtivas. Ás vezes vamos ter que desistir "temporariamente" dalguns objectivos nossos para nos dedicarmos a outros, mais urgentes e importantes.

Aprender com a falta de tempo pode ser angustiante. Mas acredito que essa falta é mais inspiradora que o excesso de tempo.

Um grande abraço Jackie :)

Ana Reis | 22 de abril de 2011 às 11:21

Olá Ana! Sabes, também passei muitos anos a ler por obrigação pilhas de livros técnicos que ameaçavam engolir-me viva. Também passei muitos anos sem tocar sequer na capa de um livro que leria por prazer e não por obrigação.

Acabei os meus estudos (por agora) e nesta passagem para o mundo do trabalho acabei por perceber que tenho ainda menos tempo à minha disposição do que o que tinha antes.

Como investigadora tenho a "obrigação" de me manter sempre actualizada sobre os avanços na minha área. Portanto, não só aumentou a quantidade de artigos e livros técnicos que tenho que ler como o meu tempo acabou por ser espremido por um funil sem que eu seja capaz de o agarrar.

Neste momento sei que não é a minha vida e rotina que têm que ficar mais calmas e menos exigentes para que eu seja capaz de retomar actividades que foram ficando para segundo plano. Agora sei que tenho que ganhar nova confiança nas minhas capacidades para lidar com as exigências do meu dia-a-dia.

Quando a minha mente reencontrar a calma pode ser que eu seja capaz de conciliar todos os sonhos malucos que carrego comigo.

Muito obrigada pela teu comentário :)
Um grande abraço

Paulo Roberto | 29 de abril de 2011 às 01:26

Olá Ana

Estava a navegar na internet e deparei-me com teu site. Este post descreve a minha situação atual, a minha estante está abarrotada de livros e cada vez fica mais cheia enquanto meu tempo parece que passa cada vez mais. Agora sou obrigado a ler artigos, livros técnicos que junto com o cansaço me roubam o tempo disponível e não são tão divertidos quanto um bom livro que te faz viajar e perder literalmente a noção do tempo. Após esse seu post percebo que a definição de metass e prazos vão me esvaziar a minha estante.

Abraços.

Ana Reis | 29 de abril de 2011 às 12:35

Olá Paulo! Muito obrigada pela visita e por partilhares a tua experiência.
É incrível a quantidade de pessoas que perde o tempo para a leitura por "desporto" face à necessidade de ler uma montanha interminável de livros e artigos técnicos. Fica complicado conciliar as duas vertentes na nossa vida, mas não fica impossível. Não podemos é esperar que as coisas se resolvam por si próprias, como eu fiz durante muito tempo.
É uma questão de adaptação. Ninguém melhor do que nós tem a capacidade de estabelecer metas e prazos para as nossas vidas. E embora isso seja um processo demorado e cheio de tentativas e erros, acredito que é também um processo libertador. Porque em vez de nos deixarmos dominar pela angústia passamos a viver de acordo com as nossas próprias regras.
E como ninguém é tão rigoroso connosco do que nós próprios, penso que criar as nossas regras impulsiona a nossa auto-confiança para outro nível.

Um grande abraço

Antonio Carlos | 5 de maio de 2011 às 18:52

Ana

Sua visão transcende, faz parecer poema o dia a dia de nossos problemas.

Muito obrigado pela injeção de ânimo e poesia

Ana Reis | 5 de maio de 2011 às 20:02

Olá António :) Muito obrigada pela visita e pelo comentário!
Fico muito feliz pelo texto ter funcionado como uma "injecção de ânimo". Nunca são de menos as oportunidades para recarregar as baterias antes de nos atirarmos à luta, não é verdade?
Um grande abraço

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