Porque estive ausente

Certamente já notaste a minha ausência. Não era minha intenção deixar este blog ao sabor do vento. Mas as coisas na vida nem sempre correm como sonhadoramente planeamos. E são os imprevistos e os acontecimentos inesperados que nos relembram da nossa insignificância e inexperiência perante a própria vida.
créditos Aditya Mopur

Mas já estou a divagar.

A verdade é muito simples: comecei a trabalhar. E como qualquer novato sem experiência que se preze estou a viver um descompassado e confuso período de adaptação. As semanas transformaram-se em meses na minha cabeça e cada início de semana soa-me a um anúncio de tempestade.

Sempre pensei que ia adaptar-me rapidamente a este novo estilo de vida. Afinal de contas fui eu que escolhi este caminho. E, embora não esteja arrependida das minhas escolhas tenho tido dificuldade em lidar com as suas consequências.

Muitas horas de trabalho mal recompensadas deixam a sensação de estar a vender o meu tempo por trocos. E, não fosse eu uma teimosa que adora escrever nunca me sentiria mal pelas horas perdidas entre problemas sem fim.

Felizmente estou habituada a lutar por aquilo que quero. Mesmo que isso implique dar dois passos para trás antes de poder dar um passo em frente. Mesmo que isso implique chocar as pessoas que se limitam a aceitar e a perpetuar as regras “silenciosas” da sociedade.

E com regras “silenciosas” refiro-me à ridícula mentalidade que governa o nosso mercado de trabalho.

Mentalidade que põe aqueles que se sabem organizar e apenas trabalham o tempo estritamente necessário sob uma pesada e violenta onda de críticas. E uma mentalidade que valoriza o número de horas que dedicamos ao trabalho, ignorando que, grande parte dessas horas são passadas a aquecer as cadeiras.

Claro que, para quem não me conhece estas são as conclusões de uma menina mimada que sabe pouco sobre a vida. Mas, do meu ponto de vista parece-me surreal e assustador a facilidade com que abdicamos dos nossos sonhos e princípios em troca de um “modesto” salário.

Mas uma pessoa sábia disse-me: Todo o trabalho é temporário. E isto pôs-me a pensar.

Trabalhar é uma experiência que nos muda profundamente. Mas a maior parte das pessoas limita-se a resignar esquecendo-se que, quando assinamos um contrato não estamos a vender a nossa alma.

Assusta-me a facilidade com que as pessoas desistem em troca de uma estabilidade ilusória. Porque tudo é passageiro. Os nossos chefes são pessoas de carne, osso, sorrisos e lágrimas, tal como nós. E nós não somos organismos dispensáveis. Somos seres especiais.

E viver fechados durante todo o dia, vendo o Sol desaparecer no horizonte antes de retomarmos o nosso caminho para casa é triste.

O problema deste país é trabalharmos demais. Vivermos demasiado para o nosso trabalho.

Porque concentrar toda a nossa energia numa única “janela de acção” não é humano. Nós não somos máquinas. Mas continuamos a agir como tal.

Ignorando que esta clausura diária apenas degrada a nossa energia e a nossa criatividade.

Existem muitas histórias de escritores que nunca mais foram capazes de escrever uma única palavra depois de passarem largos períodos de tempo enclausurados a trabalhar num romance.

Isso devia servir de lição: a criatividade nasce da diversidade. Porque, muitas vezes apenas me lembro da solução para um problema depois de uma boa noite de sono ou depois de um encontro com os meus fantásticos amigos. Tenho a certeza que sentes o mesmo.

Na verdade, acredito que não nascemos para trabalhar. Pelo menos, não nascemos para trabalhar como o temos feito até este momento da história. O trabalho surgiu como necessidade para sustentar o desenvolvimento do país. E, neste momento, não podemos esperar que mais horas signifiquem mais produtividade e mais criatividade.

Porque o que vemos hoje em dia é uma cambada de funcionários que tomam o seu emprego como garantido e passam grande parte do horário de expediente em tarefas inúteis para justificar o seu cargo.

Portanto, vamos ser realistas. Porque nos matamos a trabalhar?

A vida devia ser mais do que isto. Aliás, a vida é mais do que isto. Mas só para aqueles que se atreverem a sonhar e sejam capazes de lidar com as consequências das suas acções.

8 comentários:

José Sidney Pereira | 30 de maio de 2011 às 11:27

A sociedade estabelece um conceito e o reveste com a blindagem dos dogmas, Ana. Fica difícil mesmo contrariá-los. Impunemente. Mas é possível, para quem estiver disposto a pagar o preço.

Estou nessa estrada a quase 50 anos. As vezes, dando murro em ponta de faca, as vezes nadando contra a corrente. E, claro, posto que não são um super herói, noutras vezes, seguindo a manada para sobreviver mais um dia. E fazer minha "revoluçãozinha silenciosa e paciente", conversando à caminho do matadouro.

Mas as duas questões chave que você levanta são super relevantes. Apenas, mudaria o "neste país" para nesta sociedade. Todo o mundo ocidental é vítima desse "relógio da eficiência e dedicação". E seu amigo, é um sábio. De fato, todo trabalho nada mais pode ser que temporário. Se for visto ou vivido como mais que isso... nossa vida de fato, do dia a dia, das paixões e convicções, pode estar a sofrer com o embotamento da visão clara.

Parabéns pela sensibilidade da visão. E boa sorte nesta caminha. Se bem que, desconfio, nunca se tratou de sorte. Apenas de percepção de uma sutil realidade. E coragem para viver o que se sabe ter que ser vivido.

Abraços

Ana Reis | 30 de maio de 2011 às 15:08

Olá José. Fiquei muito feliz por receber o teu comentário. Depois desta prolongada ausência.

Eu sei que sou ainda muito jovem nesta caminhada. Mas, no início também sofremos muito. Uma vez que entrar no mercado de trabalho pressupõe uma gigante mudança de mentalidade e estilo de vida.

Claro está, fica muito difícil contrariar esta tendência ocidental. É como tentar contrariar os ventos de uma tempestade. Mas temos sempre escolha, desde que saibamos viver com as suas consequências.

Porque são raras as pessoas que entendem a necessidade de ter uma vida para além da carreira. Na realidade, as duas situações sempre foram vistas como incompatíveis. E isso não é muito humano...

Acredito que, sinceramente, nesta matéria a mudança terá que partir dos indivíduos. Não podemos esperar que o mercado mude, depois de tantos anos a funcionar da mesma forma.

Um grande abraço e muita força para viver com as contrariedades desta estrada :)

Paulo | 30 de maio de 2011 às 16:05

Gostei e identifiquei-me com este desabafo, obrigado.
Há quase 3 décadas que tenho trabalho fixo, com horário fixo. Eu entendo perfeitamente o que sentes, pois já tenho pensado muito nisso. O que me vale, é que trabalho com o computador e a Internet como uma janela para o exterior, porque senão, ou mudava de actividade ou morria de tédio.
Boas profissões são: arqueólogo, ou fotógrafo da National Geographic, isso sim...
Nascemos para ser livres e só assim podemos ser felizes. Nem os animais gostam de estar presos.
Eu ainda não desisti de acabar com esta ditadura das 8:00 às 17:00. Sim, o relógio é o nosso pior inimigo.
Um abraço e que tudo corra bem contigo, Ana.

Ana Reis | 30 de maio de 2011 às 22:42

Olá Paulo, obrigada por leres e comentares este desabafo.

Na verdade pensei em escrever algo mais elaborado. Mas estava tão cansada da falta de actualização do blog que achei que devia pôr de lado esse tipo de preocupações.

Por acaso no meu trabalho tenho o computador por perto, mas quase só o uso para questões técnicas. Portanto o portátil não me ajuda muito a escapar à minha "clausura" diária. Mas não acho o meu trabalho um tédio. Na verdade gosto muito do que faço, mas acho que os profissionais da minha área são excessivos nas horas que dedicam à sua carreira.

Sofro muito com o facto de estar presa. Mas não posso negar que este trabalho me ensinou grandes lições.

O relógio é mesmo o nosso pior inimigo. Mas também pode ser nosso amigo. É uma questão de perspectiva. Pelo menos eu tenho tentado fazer as pazes com o relógio. O importante é não desistirmos de trilhar a nossa própria ética de trabalho. E aprender a suportar a resistência dos outros quando nos atrevemos a quebrar algumas regras.

Um grande abraço e obrigada :)

Jackie Freitas | 31 de maio de 2011 às 13:04

Ana, minha querida!
Estava com saudades de ler os teus escritos!
Essa mente anda em revolução, não é? rsrs... Mas faz parte, amiga...
Eu também tenho andado entre a ausência e presença. Não porque estou obedecendo a algum tipo de contrato, mas porque a vida nos pede para fazer escolhas constantemente e cabe apenas a nós decidir por qual caminho trilhar em determinados momentos! Trabalhar é bom! Permite-nos uma visão diferente, nos coloca diante de situações que nos levam a questionar o rumo que estávamos dando à vida, além, claro, de nos enobrecer... Penso que o trabalho nos ajuda nessa constante evolução e mutação que é a vida. Infelizmente algumas pessoas se tornam escravas, literalmente, de seus trabalhos, mas isso também faz parte das escolhas e processo de amadurecimento! Chega um momento que isso também passa a ser reavaliado, mas aí vai do tempo de cada um!
Conciliar nosso tempo entre aquilo que gostamos e nossas responsabilidades, amiga, não é fácil e demora mesmo até que as coisas se encaixem. Não se cobre por isso e tampouco se puna! Como escrevi anteriormente, faz parte de nossas escolhas e decisões e só agimos assim porque estamos em busca daquilo que nos é importante e prioritário!
Tenho certeza que muito em breve você estará dosando esse tempo e se permitirá usufruir dele com sabedoria...revezando o prazer de escrever (até mesmo como desabafo ou encontro do seu centro) e o trabalho, como necessidade e mais uma nova oportunidade na vida!
Grande beijo,
Jackie

Erica Cruz | 31 de maio de 2011 às 13:45

Olá Ana...
Pode ter sido uma longa pausa na escrita, mas conseguiste partilhar muito bem um pouco do que vai na cabeça de cada um relativamente à questão laboral.

Ao ler este artigo identifiquei-me com ele e sempre que este tema é abordado provoca-me uma revolta interior bastante intensa...sonhando bem alto e com as minhas opções vou lutando contra o relógio e contra a ditadura de trabalho que se foi criando.

A sensação que tenho é que muitas vezes as pessoas só começam a valorizar o que é bom na vida quando se apercebem que ela é finita!

Ana Reis | 2 de junho de 2011 às 10:31

Olá querida Jackie,
Eu estava com saudades de receber comentários teus. É verdade que a minha mente anda em revolução, na verdade, nunca o nome que dei a este blog fez tanto sentido como agora :)
É angustiante passar o tempo a oscilar entre a ausência e a presença. E é triste saber que o trabalho que sempre sonhamos é praticamente incompatível com outro tipo de actividades. Sejam elas quais forem...
Tenho a certeza que esta angústia a partilho com milhões de pessoas que se sentem presas a um trabalho das 9 às 5. No entanto, o meu trabalho não tem horários, e, portanto o normal é que eu trabalhe muito para além do horário de expediente. E acabo por ficar esgotada.
Por isso tenho que te dar razão: a vida é feita de escolhas. E mesmo que, em certas alturas tenhamos que nos afastar das coisas que mais gostamos é essencial não cairmos na tentação de desistir por completo. Senão, é como escreves: corremos o risco de nos tornarmos escravas de um trabalho que odiamos.
Espero em breve aprender a gerir o meu tempo e adaptar-me à minha nova rotina. Embora esteja nesta luta à 2meses e sinta que não avancei nada de nada não estou disposta a abdicar da escrita. Só espero não ficar esgotada ao tentar conciliar duas paixões tão desiguais...
Um grande abraço Jackie e muito obrigada pelas palavras e pelo apoio :)

Ana Reis | 2 de junho de 2011 às 10:40

Olá Ica! Que bom receber um comentário teu! Sabes este artigo foi o culminar de tudo: de todas as conversas, de todas as angústias e de todas as vontades de dar um murro na parede e um tiro no pé. E, o melhor de tudo isto é saber que não estou sozinha nesta indignação. Apesar de a maior parte das pessoas se limitarem a seguir a mentalidade de grupo é bom saber que, muitas só o fazem porque precisam de um tempo para respirar antes de voltar à luta.

Tens toda a razão. Muitos de nós só tiramos a nossa carreira do pedestal quando algo de grave acontece. Algo que nos relembre da nossa mortalidade.
Mas parece que nem a crise, nem a mortalidade, nem as dificuldades são suficientes para tirar a população trabalhadora ao seu torpor. Mais parece que todos nos vamos resignando aos poucos. Como se não fosse possível encontrar outras formas de viver, como se a vida real se limitasse às paredes de um escritório ou dum laboratório!

Por causa do desemprego são ainda mais as pessoas que renunciam aos seus princípios para conseguir um salário. Mas penso que ainda existe esperança enquanto pessoas como tu e eu não desistirem de defender o direito a uma vida equilibrada. Pode ser teimosia, mimalhice. Sinceramente, não me interessa. O que interessa é que a vida é mais que isto. Por isso é preciso resistir à tentação de ser mais um da manada...

Bem, já estou a divagar como é costume :)
Bjocas grandes e obrigada pela tua visita!

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