Como não passar o nosso tempo livre

Mathieu Ricard escreveu:
“Enquanto os teus dias são finitos, as actividades banais são como as ondas do mar – não se esgotam.”
em Art of Meditation


Com esta frase Ricard queria relembrar-nos da nossa mortalidade. E, com isso, expor a verdadeira natureza das coisas banais, às quais, muitas vezes nos entregamos sem esforço ou pena.

Ricard pensava em meditação enquanto escrevia esta frase. O pensamento, no entanto, continua válido para qualquer actividade humana que exija um distanciamento dessas banalidades. Como as actividades que requerem criatividade, disciplina e concentração.

A cow boy | créditos: Steven Kim



As actividades banais, em comparação, são fáceis.


Muito fáceis. Mantêm-nos ocupados, cativos e reféns dos impulsos que não nos esforçamos por entender.

E, numa era em que a rapidez parece ter substituído a concentração pela superficialidade, as banalidades ganharam solo fértil para crescer.

No entanto, existe um limite na quantidade de ar que podemos forçar para dentro de um balão. A partir daí o material tornar-se-á demasiado frágil. E mesmo que deixes de soprar, o balão jamais voltará à sua forma original.

Algo de semelhante se passa connosco.

Embora o nosso cérebro tenha uma brilhante capacidade de recuperação, à sempre um limite à quantidade de informação (banal ou não) que podemos absorver. A partir desse limite aguarda-nos um período de pesada apatia em que deixaremos de ser capazes de processar aquilo que se passa à nossa volta.

As banalidades não se esgotam mas deixam marcas em nós.


São leves porque são fáceis e, por isso, não sentiremos quaisquer dificuldades em iniciá-las. Basta um clique e estamos online no Facebook e quase nem gastamos calorias no processo.

E porque não nos custa começá-las é fácil perdermos a noção do tempo quando andamos de trás para frente entre páginas infinitas de informação que vamos absorvendo rapidamente como faríamos com comida num banquete.

Banalidades no fundo são actividades que consomem o nosso tempo (e dinheiro). São, na verdade, um mau investimento.

É quase como comprar um carro em tempos de escalada no preço do combustível. Por isso, fica um bocado ridículo pensar que essas actividades nos trarão frutos no futuro.

O Facebook, a televisão, as horas passadas a navegar na internet entre vídeos engraçados e notícias trágicas… São tudo coisas que nos preenchem, mas que nunca nos poderão alimentar.

O entretenimento é a palavra de ordem neste momento.


Quem sabe, daqui a alguns anos os historiadores nos classifiquem como humanóides sem cérebro que viviam fascinadas pela tecnologia sem serem capazes de se distanciar das coisas banais.

Mas já me estou a adiantar um bocado. O que eu queria dizer com toda esta história é que, no meio da banalidade quase nos esquecemos do que significa não fazer nada.

Os nossos tempos de ócio estão armados de entretenimento até aos dentes. E livrem-nos de ficar sem acesso à internet ou à televisão!

Vivemos saturados das notícias e, contudo, não somos capazes de nos distanciarmos desse dramatismo trágico que expõe o pior de nós de forma gratuita. Vivemos saturados de intrigas, mortes, corrupção, contudo, esse é o tema de conversa na nossa hora de almoço.

E ao vivermos saturados deixamos de viver de todo.

As plantas não crescem em solo esgotado. Por isso se praticou durante muito tempo o pousio.

Às vezes precisamos de praticar com a nossa mente esse pousio. Colocar o entretenimento em stand-by e, entregarmo-nos ao momento.

Ir às compras, dar um passeio no parque, cantar no chuveiro, comer um gelado, correr à chuva…

Ao afastarmos a nossa mente da torrente infindável de informação o tempo passa a correr mais devagar. A nossa criatividade tem finalmente a oportunidade para vir à tona. Depois de tanto tempo enterrada na lama, sufocada com a próxima tragédia do horário nobre.

Não acreditas em mim? Desafio-te a sair deste blog, a desligar o computador e ir espreitar a paisagem pela janela. Tenta vê-la como se fosse a primeira vez… Não te sentes melhor?

Nas eternas palavras de Horácio:
Carpe diem, quam minimum credula postero
(aproveita o dia, sem te preocupares demasiado com aquilo que o futuro te reserva)

2 comentários:

Paulo Roberto | 6 de junho de 2011 às 00:36

Olá,
A quantidade de informação que chega a nós por dia é de deixar qualquer um louco, mas o pior é a facilidade com que nos perdemos na futilidade que a internet nos proporciona. Hoje o que eu mais prezo é o verdadeiro valor do silêncio depois de um dia exaustivo, não existe nada melhor para deixar a mente relaxada e saudável.

Abraços.

Ana Reis | 7 de junho de 2011 às 11:57

Olá Paulo, muito obrigada pela tua visita e pelo comentário.
Concordo contigo, o nível de informação a que nos habituamos deveria deixar qualquer um louco. O problema é que tem sido uma escala gradual, por isso, sem nos darmos conta o nível de informação vai aumentando aos poucos enquanto a nosso nível de concentração baixa a pique.
Nada melhor do que uns momentos de silêncio para compensar isso. Embora, o difícil seja convencermo-nos a nós próprios que não precisamos de estar informados sobre tudo a todo o momento!
Um grande abraço

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