Ser escritor na era digital

Uma crença que muitos aspirantes a escritor carregam (incluindo eu, nos meus dias menos bons) é que apenas serão “bons” quando receberem alguma prova de que sociedade reconhece e aprecia o seu talento.

Isto porque a escrita é uma actividade que requer uma certa dose de solidão e vem acompanhada por alguma frustração. Depois de horas de trabalho, inocentemente, desejamos que toda a gente goste de nós.

É normal carregar essas expectativas. Afinal de contas, nos primeiros tempos estamos tão inseguros na nossa arte, que nos tornamos dependentes da opinião e atenção dos outros.
Calligraphy | créditos: Mark

A grande treta é que estas expectativas nos tornam emocionalmente instáveis. Se aparece alguém que nos elogia o nosso ego explode em proporções impensáveis, contudo, se, no momento seguinte aparece alguém que nos critica, tornamo-nos na pessoa mais miserável do mundo.

Viver a vida como uma bomba relógio emocional é algo que, gradualmente, vai enfraquecendo a nossa escrita. Por isso, em primeiro lugar é preciso que te libertes dessa montanha russa. E podes fazê-lo se reconheceres uma simples verdade:

Nem todos vão gostar de ti. E o mais importante é saber que as pessoas certas vão gostar de ti. Não precisas que o mundo inteiro te ame e te sustente para que possas viver da tua escrita. Vamos fazer um jogo:

Escolhe um número. Não um número qualquer, escolhe quanto gostarias de receber num mês pela tua escrita.

Já escolheste? Boa. Vou abrir o meu jogo contigo, o meu número mágico, nesta altura da minha vida é 3000€ (cerca de R$ 6800).

Podemos usar o meu número como ponto de referência. Imagina o valor mais baixo que podias cobrar por um produto teu (um livro, por exemplo): 1€ (cerca de R$ 2,29)? Significaria que 3000 pessoas teriam que te pagar 1€ por mês…

Achas que é muito?


Estima-se que a população mundial chegue aos 7 mil milhões no próximo ano. 3000 parece um número bem pequeno em comparação.

Mas nem precisamos de ir tão longe. Estima-se que já somos cerca de 240 milhões a falar português. 3000 é um número bem tímido em comparação, não te parece?

Fiz este jogo por uma razão muito simples: o mundo é imenso. Para seres bem sucedido não precisas que essa montanha de gente te reconheça, aplauda e dê dinheiro. Aliás, precisas apenas que uma pequena parcela da população o faça.

Por isso, em vez de te dedicares aos 240 milhões que nunca se vão importar com a tua escrita. Dedica-te aos 3000 para os quais a tua escrita estará carregada de significado.

A boa escrita é pessoal.


Caso contrário cairemos na asneira de praticar o politicamente correcto e passar a soar igual a todos os outros escritores.

Como se escreve chega, por vezes, a ser mais importante do que aquilo que se escreve. Nunca te aconteceu leres um livro com uma história banal e não o conseguires largar? E nunca te aconteceu sentir uma pontada de tédio num romance com uma história forte, mas com uma escrita fraca?

Portanto, vou voltar ao mesmo: uma escrita forte é pessoal. O pessoal – os teus sentimentos, crenças e experiências – é o que te diferencia dos outros escritores. E é com o pessoal que deves começar.

A escrita pessoal passa muito por umas atitudes muito simples:

  • Escreve para ti ou para uma pessoa que ames.Todas as outras pessoas não interessam. Porque escrever para encaixar numa audiência perfeita é suicídio criativo. Com a internet as tuas ideias podem chegar até aos confins do mundo, algures no teu caminho vais-te cruzar com pessoas que se sentem atraídas pelas tuas ideias. Pessoas à quais tens muito para oferecer.Podes tentar vender sapatilhas de corrida a um manco. Mas sabes que, na verdade, ele não precisa delas. Assim como um manco não precisa das sapatilhas, há muitas, aliás, imensas pessoas neste mundo para quais as tuas ideias são ridículas e desnecessárias. A essas não podes ajudar. Aceita isso. Porque não precisas de agradar a 7 mil milhões de pessoas… aliás, agora já sabes qual é o teu número mágico.

  • Deixa de lado o politicamente correcto.Escreve asneiras, palavrões, expressões sem sentido. Escreve, só porque podes. A boa escrita não é a escrita do “Maria vai com as outras”, a boa escrita tem que ser memorável. E para que a escrita se torne memorável ela tem que se mais do que uma espiral incansável de factos.Sê idiota por 30minutos. O que tens a perder? Não estou a dizer para insultares as pessoas, estou a dizer para largares aquela fera indomável que manténs cuidadosamente escondida de olhares indesejados. Para que a tua escrita seja memorável vais ter que a soltar.

  • Diverte-te. Sim, leste bem. Muito bem.Quando escrevemos apenas por compromisso, ou quando escrevemos aquilo que pensamos ser importante para os outros a escrita deixa de ser divertida. E se não te estás a divertir, é pouco provável que os teus leitores se divirtam.Quando já escreves há algum tempo é normal que os teus sentimentos mais profundos (mesmo aqueles dos quais não estás consciente) saltem para o papel. E se começas a ficar farto dum texto, o mais provável é que os teus leitores se apercebam disso e aproveitem a oportunidade para fugir.

  • Escreve quando não tens vontade.O que significa escrever? Não te estou a perguntar o que significa para ti. Imagina que tens que o explicar a uma criança pequena, em que termos o farias? Eu diria algo do género:Escrever significa agrupar palavras para que elas formem frases. E juntar frases para que elas formem parágrafos e textos. E este conjunto de palavras serve para dar forma a pensamentos.Portanto, escrever significa dar forma a pensamentos. E isso é difícil para caraças.

    Lembraste daquele dia em que estavas estupidamente inspirado e te sentaste a escrever? Escreveste durante horas, dando pulinhos de emoção com a adrenalina que te corria pelas veias.

    Quando não tinhas mais para dizer fechaste o caderno ou o computador e foste viver o resto do teu dia com um fervoroso entusiasmo. No dia seguinte vais ler o que escreveste e apanhas uma valente desilusão.

    O que se passou aqui foi muito simples: a tua mente acaba de reconhecer que a experiência de escrever foi melhor que o resultado. E isso significa que, instintivamente, tu sabes que podes fazer melhor, muito melhor.

    O que acontece é que isto de dar forma a pensamentos é mais difícil do que parece. Porque, na tua linda cabecinha os pensamentos não se manifestam apenas por palavras, por vezes aparecem misturados com sons, imagens, cheiros, sentimentos, memórias, associações. E, infelizmente é impossível transmitir todo o conteúdo da tua mente para um papel. Só ia servir para ficares louco e enlouqueceres a tua audiência no processo.

    Por isso é que é preciso escrever muito. Especialmente quando não te apetece ou sentes que não tens nada a dizer. É o mesmo que ganhar massa muscular. Pensa na tua habilidade para a escrita como um músculo. Se não lhe deres o alimento certo e não a treinares com frequência ela começa a atrofiar. E quando um momento de inspiração te rebenta nas mãos, se não tiveres o teu músculo treinado não vais ter forças para lidar com essa explosão.



Escrever na era digital é uma oportunidade tremenda. Não precisamos de agradar a meio mundo. Precisamos apenas de agradar a um punhado de pessoas.

Não precisamos de correr atrás de editores, podemos publicar por nós próprios. Não precisamos que os nossos artigos sejam aceites por um grande meio de comunicação. Agora basta carregar no botão publicar de um blogue para termos a nossa própria publicação.

Apesar de haver mais oferta e, portanto, mais competição, não é impossível viver da escrita. Porque, ao mesmo tempo que aumenta a oferta, abriram-se também milhares de novos canais de comunicação que nos permitem chegar à nossa audiência sem ter que lidar e agradar a intermediários.

O escritor na era digital tem grandes oportunidades, só tem que aprender a aproveitá-las. Não achas?

8 comentários:

Ana Karenina | 11 de junho de 2011 às 13:37

Olá Ana

Foi muito bom pra mim ler este texto hoje que ando numa fase de grandes questionamentos sobre minha vida, minhas atitudes e coisas que realmente estão ou não me trazendo resultados para a minha felicidade.

Por vezes na ânsia de ser útil esquecemos de nos divertir, acho que de tanto ler por aí que precisamos ser úteis e corretos para os leitores nos reconhecerem melhor acabamos esquecendo que sem o entusiasmo pela escrita jamais conseguiremos que o leitor se encante.

Está mais que comprovado que a escrita de sucesso não é aquela perfeita gramaticalmente nem a totalmente necessária e sim aquela que cativa e encanta os leitores, aquela que os envolve com sentimentos, talvez o verbo escrever rime melhor com envolver, talvez esteja aí o segredo que muitos ainda não descobriram.

Valeu pela reflexão :)

@anakint

José Sidney Pereira | 11 de junho de 2011 às 15:07

Oi Ana,

Tem gente se dando muito bem em literatura para nichos. Escolhem seu público alvo e publicam.

Li, recentemente, numa revista brasileira, a história de uma adolescente americana, nossa sensação da literatura fantástica do país. Começou com um blog, vendendo seus e-books por 2 dólares e pouco. E menos de 2 anos, arrecadou e milhões de dólares.

Claro, o mercado em língua inglesa, de ficção fantástica, para jovens, é enoooooorme. Mas tem outras histórias de exito, não tão exagerados.

Acho viável a sua ótica de focar o seu público e buscá-lo como fonte de renda. Mais do que o ego, o grande problema de escritores, no Brasil por exemplo, é exatamente a possibilidade de viver da sua escrita. De transformar literatura em trabalho cotidiano.

O ego, vai começar a incomodar quando queremos ser parelhos, iguais, ao grandes autores que lemos. Isso pode ser um grande problema, dependendo de sua referência literária. Mas um bom problema. Se esforçar para aperfeiçoar o próprio trabalho nunca resultará em algo ruim, se mantivermos nossas convicções, nossa honestidade com nossos personagens e histórias.

Abraços

rogermaxrjs.com.br | 11 de junho de 2011 às 23:03

Vejo como um mercado futuro, por que não dizer, presente, até certo ponto, com uma diversidade vasta para ser explorado, claro que não é pra qualquer um, às vezes penso em escrever algo mais profundo, mas não me achei ainda, quem sabe um dia, até porque sou novo na blogosfera, assim preciso aprender muito para encarar uma atividade digital neste ambiente de forma mais abrangente, parabéns pel apostagem.

Ana Reis | 12 de junho de 2011 às 19:36

Olá Ana, obrigada por partilhares a tua experiência :)
Identifico-me muito com uma coisa que escreveste: de tanto ler por aí que precisamos de ser úteis acabamos por nos esquecer de divertir.

Uma vez que são cada vez mais os blogueiros que nos enchem de dicas sobre a escrita e a blogosfera é fácil perder a fé. Porque, se não tivermos ainda confiança e experiência suficiente dificilmente vamos encontrar utilidade no nosso conhecimento.

São tantos os artigos que nos incitam a ser úteis e tão poucos os que nos inspiram de verdade. Ser útil é o que todos tentam ser e acabam por perder muita coisa no processo.

Um blog vale mais do que a sua utilidade. Porque algo útil é algo que consultamos, usamos e esquecemos no momento em que deixamos de precisar disso.

Uma escrita memorável é aquela que perdura mesmo depois de nos termos afastado do livro ou do computador. Pode não ser útil neste preciso momento. Mas alguns textos (raros) nada úteis têm um impacto profundo nas nossas vidas.

Concordo plenamente que escrever rima melhor com envolver.

Um grande abraço

Ana Reis | 12 de junho de 2011 às 19:45

Olá José, muito obrigada pela opinião sincera.
É verdade que existem imensos casos de sucesso de pessoas que aprenderam a viver da sua escrita. E esses casos são inspiradores.

Contudo, parece que o público português está a ter dificuldades em aceitar e apoiar essa forma de vida. Não precisamos todos de ter um emprego das 9 às 5 para conquistarmos a liberdade financeira... E essa é uma mensagem que não tem conseguido passar para a população de língua portuguesa.

Ter excelentes referências literárias é um bom ponto de partida. É duro, mas é bom. Acho que a literatura e a cultura de língua portuguesa em geral tem andado muito apagada. Estamos a ficar muito atrás a nível mundial. E o estranho é que somos imensos e, mesmo assim, parece que estamos um pouco adormecidos. A internet e a blogosfera são excelentes ferramentas que podem mudar o ritmo das coisas. É preciso é arriscar!

Um grande abraço :)

Ana Reis | 12 de junho de 2011 às 19:53

Olá Rangel, obrigada pela visita e pelo comentário.
Por parte dos falantes de língua portuguesa acho que ainda há pouca consciência da extensão deste novo mercado. Acho que é um tipo de mercado em que público é tão extenso que terão que passar muitos anos até que oferta cubra totalmente a demanda. Acho que há oportunidades mais do que suficientes para todos aqueles que estiverem dispostos a arriscar.

O problema é que não podemos prever a reacção de um público que não está habituado a comprar pela internet às tentativas de lançar produtos digitais.

O meu blog também é muito recente e eu também tenho montanhas de coisas para aprender. No entanto, acho que é mais importante tomar consciência de que, por muito pouco que seja o nosso conhecimento, pode sempre ajudar alguém.

Um grande abraço

Pedro Cardoso | 7 de julho de 2011 às 20:22

Acho que a única coisa que é preciso para alguém ser um bom escritor é .... escrever. Quanto mais escreveres, mais desenvolves as tuas capacidades! O caminho faz-se caminhando, a escrita faz-se escrevendo (-;


Continua o bom trabalho, acabas de ganhar + um leitor!

Até jah,
P.

Ana Reis | 11 de julho de 2011 às 15:17

Olá Pedro, muito obrigada pela visita e pelo comentário! Fico feliz por ter ganho mais um leitor :D
Ora lá está, para ser um bom escritor é preciso escrever. E continuar a escrever mesmo depois de sermos rejeitados. Porque sejamos realistas, os excelentes escritores demoraram +/- 10anos a atingir a maturidade profissional. Isso é muito caminho para andar.
Mas quem não se sentir desencorajado por isso é porque tem um forte sentido de compromisso. E isso é a grande força motriz de um escritor!
Um grande abraço

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