Dicas para os viajantes solitários

Nota: Escrevi a primeira versão deste artigo na passada quinta-feira, no parque do Retiro em Madrid, numa curtíssima viagem solitária que me deu muito que pensar.

Para mim existem, indiscutivelmente, dois tipos essenciais de viagem:

  • As viagens do tipo: “quero fugir da minha rotina e ir trabalhar para o bronze numa praia qualquer onde ninguém me possa encontrar”

  • E as viagens do tipo: “à descoberta”

[caption id="attachment_900" align="aligncenter" width="560" caption="A viagem, em rascunho | Imagem própria"][/caption]

Não quer dizer que as viagens do tipo “à descoberta” não possam servir de pretexto para fugir à rotina. No entanto, este último tipo de viagens costumam ser melhor planeadas e as expectativas de quem nelas embarca costumam ser muito superiores.

E, dependendo das expectativas e planos de cada um existem também vários tipos de turistas:

  • Os turistas tipo excursão,
    Que, para onde quer que se virem estão sempre rodeados por uma multidão de gente em roupas confortáveis, chapéus e câmaras fotográficas.

    Este tipo de turistas podem não ser os mais abundantes, mas chamam muito a atenção. Principalmente porque uma multidão em excursão é irritante como um bando de moscas e suscita nos outros uma vontade imensa de fugir…

  • Os turistas tipo microondas,
    Do género: Pões a comida no microondas, marcas dois minutos e já está! Estes turistas têm um objectivo muito simples em mente: ver o maior número de atracções no menor tempo possível.

    Não digo que seja errado. Já dei por mim a viver esse tipo de situações. Alguns lugares são tão imensos e cheios de história que se torna quase impossível resistir à tentação.

    O problema deste tipo de turismo é que acabamos por perder a melhor parte da experiência. Não temos qualquer ideia daquilo que estamos a ver, só sabemos que é um monumento conhecido e que agora teremos uma foto a provar que estivemos lá, em carne e osso. Mas continuamos a saber tanto sobre o lugar como sabíamos antes de termos posto lá os pés.

  • Os turistas por vocação,
    São turistas que demonstram um interesse genuíno pela história e cultura locais. Não se conformam com as rotas estabelecidas. É um tipo de turismo enriquecedor em que os turistas sabem encontrar o equilíbrio entre o tempo passado a conhecer o lugar e o tempo passado a viver o lugar.

E depois, dentro destes dois últimos grupos de turistas podemos distinguir os que têm companhia dos solitários.

Os solitários ou marginais, não têm um grupo que lhes proporcione protecção. Não têm a companhia de amigos e, a maior parte das vezes, são mal encarados pelos outros tipos de turistas. Especialmente porque esses gostariam de ter tomates suficientes para se fazerem à estrada sozinhos…

E é para quem gostaria de experimentar (ou já experimentou) a viagem solitária “à descoberta” que eu desejo escrever.


Um bom motivo para ser um viajante solitário


Viajar é uma actividade rodeada por uma aura quase mística. Algo que a maior parte de nós, comuns mortais deseja, embora não saibamos bem porquê. Algo com que muitos sonham, mas poucos realizam.

Isto porque viajar é aterrador. Se formos para um sítio “turístico” com grandes praias, buffets e serviço de quartos, sabemos com que contar. Esse tipo de turismo “turístico” é como um bálsamo de acção rápida para a nossa rotina e carreira esgotantes.

Mas é algo que dificilmente nos enriquece e muda. Esse tipo de viagem proporciona boas memórias. Mas raramente nos leva a pensar profundamente sobre nós e sobre a vida.

As viagens enriquecedoras não precisam de ter como destino sítios exóticos. Não exigem anos de poupanças, apenas: bom planeamento, coragem e força de vontade. Então, porque raios é tão difícil encontrar companhia para este tipo de aventuras?

Bem, a verdade é que os nossos amigos hão-de ter sempre muito trabalho, problemas financeiros, dilemas pessoais e outras desculpas quaisquer para não terem que alinhar nos nossos planos de viagem malucos.

Alguns alinham. É verdade. Mas se queres que viajar seja uma actividade constante na tua vida não te podes contentar com as raras vezes que alguém está disposto a pegar na mochila e ir contigo à procura do fim do mundo.

Porque esse tipo de viagens é aterrador. Imprevisível. Mágico. E portanto, exige coragem, muita coragem e uma mente aberta.

As dicas, sem mais demoras…


1. Planear, planear, planear

A primeira viagem a solo pode ser uma experiência aterradora. Eu sei que o foi para mim. E continuo a sentir-me maldisposta sempre que tenho que ir sozinha para um sítio novo e desconhecido. Mas não é por isso que vou deixar de o fazer.

Algo que me ajuda imenso é ter sempre um plano. Sou uma medricas, confesso. Tenho muito medo de viajar sozinha. Quando tenho um plano de viagem bem estruturado mal tenho tempo para ceder ao medo da solidão.

Se tiveres um bom plano, sabes que tens que ir de A para B pelo caminho X. Tens objectivos e esses objectivos põe a tua mente a trabalhar de forma construtiva. Com um plano podes superar o teu medo do desconhecido. Porque, aconteça o que acontecer sabes que o plano não te vai falhar, é a tua bússola.

Para fazer um bom plano ajuda ter um bom guia, um bom mapa e, se possível conhecimento de quem já visitou o teu local de destino. E, como é óbvio, a internet é um lugar fabuloso para encontrar todo o tipo de informações.

Não tenhas medo de perder tempo a elaborar o teu plano. É algo que vai tornar a tua confiança mais sólida e te vai tornar menos susceptível a sofrer de angústia com os percalços de qualquer viagem.


2. Se tiveres um medo particularmente forte de algo que te possa acontecer em viagem – precavem-te.

Pensa antecipadamente naquilo que farias diante de determinada situação. No caso improvável do teu medo acontecer estarás mais do que preparado para lidar com ele.

Podes confiar no teu plano em vez de depositares a tua confiança no raciocínio distorcido que acompanha sempre momentos de pânico. Pergunta-te seriamente: Se isto acontecesse, o que poderia eu fazer para atenuar as consequências?

Pensa em várias alternativas. Eu sei que estes planos se podem revelar completamente inúteis na tua viagem. Porque, num mundo desconhecido é impossível prever aquilo que pode acontecer. Mas se fores precavido estarás a reforçar a tua confiança enquanto viajante solitário.


3. Procura conselhos de quem já fez viagens do tipo “à descoberta”

Ninguém tem que nascer ensinado. E tendo em conta que viajar à descoberta é uma actividade complexa que exige empenho é errado desejar que tudo corra bem à primeira.

Ter a experiência de outros pode fazer toda a diferença. E ajuda a tornar a viagem muito mais agradável e produtiva.


4. Viajar não muda a tua personalidade, apenas potencia o que já lá está

Viajar é quase uma desconstrução da personalidade de cada um. Os viajantes podem sentir que afinal, aquilo que tomavam como certo ou aquilo que pensavam saber sobre si mesmos não está nem perto da realidade.

[caption id="attachment_909" align="aligncenter" width="560" caption="Parque do Retiro, Madrid | Imagem própria"][/caption]


A minha dica é que mantenhas as tuas expectativas controladas. Caso contrário arriscas-te a ter uma valente desilusão.

Viajar, e mesmo viver noutro país não é solução mágica para nenhum dos teus problemas. Aliás, quando saímos da nossa zona de conforto o mais certo é que trazermos os nossos problemas connosco.

O fantástico da viagem é que nos permite reescrever aquilo que somos. Mas isso demora o seu tempo.


5. Carrega algo que te faça sentir seguro

A não ser que planeies fazer uma viagem ao Texas não te recomendo que carregues uma arma, ok?

Mas para qualquer outra parte do mundo, levar um objecto pessoal que nos lembre a nossa casa, ajuda a que nos sintamos seguros. O objecto não precisa de ser sempre o mesmo, o ideal é que esteja à vista, ou acessível e que te transmita a sensação de que não estás sozinho e desligado do mundo.

Ás vezes esse objecto pode ser um telemóvel que, com um simples clique te pode pôr em contacto com alguém que ames. Pode ser uma máquina fotográfica, uns óculos de sol. Podem ser coisas banais aos olhos dos outros, coisas que só tu entendas o significado.

Assim que já tenhas alguma experiência em viagem, gradualmente, deixarás de precisar tanto desses objectos. Passarás a experimentar uma segurança interna que não necessitará de coisas externas para se manter forte.


6. Sai dos caminhos convencionais

Pergunta aos locais que sítios interessantes poderias visitar. E por locais digo, empregados de um restaurante onde pares para almoçar. O senhor que vende jornais, o dono do albergue onde fiques hospedado, alguém que encontres na rua e que tenhas a oportunidade de abordar.

Especialmente em meses de verão torna-se quase impossível desfrutar de uma boa viagem. Demasiados turistas com as suas câmaras e companheiros de excursão. Demasiado stress e confusão, pelo menos para mim.

Por isso, visitar sítios diferentes irá certamente proporcionar-te uma experiência diferente.


7. Perde-te

Mas convence-te que vais em direcção a algum lugar.

Para mim esta é parte mais difícil da viagem solitária. Por isso, sempre que quero perder-me, deliberadamente, levo um mapa. Caso contrário, o medo de estar perdida pode arruinar, por completo, a minha experiência.

Estar perdido é também uma das experiências mais poderosas de uma viagem solitária. Mas não te queiras atirar de cabeça se ainda não te sentes preparado.

Para te preparares podes escolher um caminho mais longo entre o local onde estás agora e aqueles que queres alcançar. Podes seguir uma intuição que te diz para virar à esquerda em vez de seguir em frente. Podes quebrar o teu plano. Parar em sítios inesperados e tirar fotos a situações que pareçam banais aos olhos das outras pessoas.

Todos os que andam perdidos vão para algum lugar, só que ainda não sabem que lugar é esse!


Ainda com medo de viajar?


Uma dica para o caminho: faz turismo na tua própria cidade. Tenho a certeza que existem dezenas de lugares inesperados que não sabias que existiam, prontos para serem descobertos.

A viagem solitária requer uma coragem que se constrói com o tempo. Sempre me disseram que era medricas e tímida demais para abandonar as sais dos meus pais. Então, à primeira oportunidade decidi ir sozinha para Madrid. Sobrevivi.

Se eu consegui, tu também consegues, tenho a certeza.

A todos os viajantes solitários: adorava ouvir as vossas dicas e experiências. A todos os que desejam viajar mas ainda não encontraram a coragem: adorava conhecer as vossas dúvidas.

Um grande abraço e até breve

9 comentários:

rogermaxrjs.com.br | 19 de junho de 2011 às 00:34

Olá minha querida Ana, sua postagem está excelente, na verdade estou precisando realizar uma dessas viagens do sonho, aliviar a mente da mesmice, mas enquanto este dia não vem vou voando os pantanais da minha mente aqui no mesmo lugar de sempre, rsrsrsrs; volta e meia pego um vou diferente, mas sempre com os pés no chão, em terra mais do que firme, a turbulência aqui é pouco, exceto quando o tempo ameaça um temporal, aí temos que acionar o piloto automático e sair do comando, pois a aeromoça nestas horas não se encontra, o co-piloto está na folga, sobra para mim a tarefa mais árdua, rsrsrsrsrs.
Eitcha, que viajaaaaaaaaaaaaaada!

Anonymous | 20 de junho de 2011 às 13:56

Oi Ana,
Maravilha!
Dicas valiosas, seja para qual categoria for.
Ler e reler até encontrar o prumo... rsrsrs
Um abraço.

Ana Reis | 21 de junho de 2011 às 13:04

Olá Rangel! Muito obrigada.
Acho que todos precisamos de deixar para trás os "pantanais" da mente uma vez ou outra. A nossa mente também precisa de descansar dos problemas que, constantemente, criamos para nós próprios.
Uma viagem de sonho nem sempre implica uma viagem de avião. Ás vezes o paraíso está bem perto e nós nem sequer nos apercebemos.
A prova disso são as centenas de portugueses que viajam para o Brasil. As vossas terras são magníficas e mágicas. São sítios que vale pena conhecer.
Um grande abraço

Ana Reis | 21 de junho de 2011 às 15:23

Olá Beth! Muito obrigada!
Andava adiar escrever sobre este tema...
Mas acabou por me fazer muito bem.
Ainda bem que as dicas foram úteis :)
Um grande abraço

Marisa Lopes | 30 de junho de 2011 às 23:21

Olá Ana!

Viajante solitário! Quantas vezes já dei por mim a pensar nisto.. Mas no fim, acabo sempre por ceder ao medo do inesperado e por tentar arranjar alguém que me acompanhe.. Ao fazer isto, estou constantemente a adiar aquilo que poderia ser uma experiência maravilhosa e enriquecedora. Contudo, os passos que mencionaste, principalmente o primeiro, que diz respeito ao planeamento é, para mim, o mais importante, visto que, ajuda a ter um fio condutor e faz com que fiquemos mais despertos para a aventura porque se algo correr “pior” podemos sempre voltar ao plano inicial..
Marisa Lopes
P.S. Gostei do teu desenho.. 

Guilherme Tetamanti | 9 de julho de 2011 às 16:52

Oi Ana,

Parabéns pelo artigo!!!

Também gosto de viajar sozinho e vejo muitas vantagens e desvantagens. Pra mim o melhor é poder fazer as coisas no seu momento e estar sempre aberto a novas amizades.

Tudo de bom!!!

Guilherme

Ana Reis | 11 de julho de 2011 às 10:20

Olá querida, que bom receber um comentário teu. Especialmente neste tema, que já discutimos vezes sem conta :)
Olha, fiz este desenho em Madrid enquanto tentava decidir se já me sentia confortável o suficiente para viajar sozinha. Não cheguei a nenhuma conclusão.
Não quero pintar a paisagem de cor-de-rosa, todas as viagens, solitárias ou não, implicam sempre riscos. E, no fundo, aprender a enfrentá-los sozinhos é a grande lição a aprender.
A viagem solitária é um tema muito intimo. Não serão todos os que vão achar estas dicas úteis. Porque quando estamos sozinhos os nossos medos ficam à flor da pele. E lidar com eles é uma luta muito pessoal.
Mas fico feliz que tenhas achado as dicas úteis.
Um grande abraço :)
E boa sorte!

Ana Reis | 11 de julho de 2011 às 15:30

Olá Guilherme, muito obrigada pelo comentário e pelo elogio!
Certamente, para viajar sozinhos não nos devemos pressionar demasiado. Planear as coisas com tempo e sem pressas é a melhor forma de não nos preocuparmos demasiado.
E estar abertos a novas amizades, por mais improváveis que elas sejam, é uma extraordinária forma de aprender novas mentalidades, costumes e culturas.
Um grande abraço

Nuno Mira | 25 de março de 2012 às 16:22

Olá.

Revi-me em muitas das coisas que aqui escreveste.

Começando pela parte em que nunca ninguém está "disponível" para viajar contigo. Passando pela parte em que nos "perdemos" no desconhecido. E por fim, o voltarmos a casa com o sentimento de "vitória", um preenchimento pessoal, um conjunto de recordações fantásticas, que ficam na nossa memória e que relembramos com imenso prazer e desejo de repetir.

Foi bom ter lido as dicas. Obrigado.

Abraço.


Nuno

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