Vamos procrastinar?

 “Procrastinar é o dilema fundamental, entre aquilo que é bom para nós agora e aquilo que é bom para nós a longo prazo"


Procrastinar começa com uma escolha. Que muitas vezes fazemos de forma inconsciente.

Durante insignificantes instantes a nossa mente pondera as vantagens e desvantagens de procrastinar. Até que o cansaço, o medo ou a pressa decidam por nós.

As distracções não são o vilão. São apenas o resultado de escolhermos o prazer imediato, em vez de escolhermos adiar as recompensas.

Porque cedemos às distracções…


Somos humanos. E quando escolhemos, repetidamente, adiar as recompensas numa certa área, torna-se difícil, senão mesmo impossível, tomar essa mesma decisão noutras áreas das nossas vidas.


Leão adormecido | Vera Kratochvil



Fazemos isso nas nossas carreiras. Toleramos comportamentos insuportáveis, críticas intoleráveis, condições de trabalho péssimas e exigências sobre-humanas. E embora haja dias em que nos apeteça fugir, sabemos, lá no fundo, que todo esse trabalho vai ser recompensado.

Este esforço também se torna perigoso a longo prazo. Tomar demasiadas "boas" decisões pode deixar-nos exaustos. Nas palavras de Ariely pode levar-nos a um "esgotamento do ego".

O cansaço pode levar-nos a desistir das coisas que consideramos importantes. E o esgotamento pode levar-nos a cometer erros e a escolher mais o prazer imediato, em vez de adiar as recompensas.


Humanidade vs. Produtividade


Algo me incomoda nos actuais sistemas de produtividade. Os seus criadores parecem ter embarcado numa cruzada para eliminar todas as distracções. Nunca considerando o lado positivo da procrastinação.

Habituamo-nos a viver com um nível insano de stress. Ao ponto das doenças cardiovasculares figurarem no top 10 das causas de morte mais comuns a nível mundial (dados da OMS). E à medida que aumentam as mortes por causa do nosso estilo de vida, aumenta também a histeria na guerra contra a procrastinação.

Neste momento faltam pessoas a defender o ócio produtivo. A defenderem a necessidade de abrandar. Porque as decisões mais idiotas são aquelas que tomamos de cabeça quente. E que as ideias mais pobres são as que menos trabalhamos.

A arte do não fazer nada tem-se perdido à medida que aumenta o consumismo. E as cruzadas contra a procrastinação são apenas uma consequência disso.

Nesta era do excesso de stress, a maioria das pessoas parece ter-se esquecido que procrastinar é um mecanismo de defesa. É o nosso subconsciente a tentar passar uma mensagem. É o nosso termostato emocional. A luzinha vermelha que se acende quando estamos prestes a despenhar-nos numa ilha remota.

Procrastinar é humano e é saudável. Rejeitá-lo é rejeitar uma parte de nós.


“Too much procrastination will kill you!”


No final, a procrastinação reduz-se a um problema de dosagem. Procrastinar em demasia é tão mau como resistirmos à nossa vontade de procrastinar. E, mais tarde ou mais cedo, todos pagamos o preço.

Viver a vida procurando apenas o prazer imediato deixa um vazio impossível de preencher. Esse vazio, na verdade, é o resultado das nossas patéticas escolhas:

  • Preferir a recompensa imediata.

As conquistas que requerem pouco esforço são boas para nós naquele instante. Mas essa sensação de bem-estar é de vida curta. Por isso passamos tantas horas no Facebook e nos parece sempre pouco.

Adiar as recompensas, por outro lado, obriga-nos a investir mais tempo e, quando finalmente recolhemos os frutos do nosso trabalho, a sensação de bem-estar, de realização e de felicidade podem durar toda uma vida.

  • Gastar o nosso tempo em tarefas inúteis.

Às vezes enrolamo-nos até ao pescoço de tarefas inúteis, só para fugir aquela tarefa que nos aterroriza. O que acontece é que ao fim de pouco tempo começamos a sentir-nos desnecessários e pouco importantes.

No fundo acredito que cada um já sabe aquilo que é melhor para si. Por isso, sempre defendi que não precisamos de especialistas para nos apontar o caminho.

O grande problema começa quando não queremos ouvir a nossa intuição. E fazemos de tudo para nos certificarmos que nunca vamos ter tempo para a ouvir. Caso contrário não haveriam tantas pessoas frustradas com o seu trabalho e mal-encaradas com os seus colegas.


Aprender a gerir a procrastinação


Quando me apetece muito ceder a uma distração improdutiva faço-o. Pode parecer contraintuitivo. Mas não deixo de perder tempo no Facebook, ou ver televisão só para aumentar a minha produtividade.

O que faço de diferente é impor limites. Foi estranho ao início, mas marcar 15 minutos no timer para ver o Facebook, o Gmail e todas as coisas inúteis em que me meti, acabou por ser uma bênção.

E quando acaba o tempo definido volto-me para as coisas importantes sem peso na consciência.

Fazer ciclos entre tarefa produtiva e tarefa improdutiva levou-me a viver os dias mais produtivos da minha vida. Na verdade, percebi (não sem bater antes com a cabeça numa parede de tijolo bem dura), que não é quantidade de tempo que dedicamos a uma tarefa, é a qualidade do tempo. Passar muito tempo numa tarefa não é garantia de melhorias, é apenas garantia de uma gigante dor de cabeça.

E acho que todos podemos concordar que temos a concentração de um peixinho dourado quando estamos a pensar noutras coisas.

Há que ser improdutivos. Abraçar a procrastinação e usá-la para viver uma vida mais equilibrada.


E depois há aqueles dias…


… em que temos que nos render. Quando não dá, não dá. Não importa quantas técnicas de produtividade experimentemos, simplesmente não vai acontecer. O timer pode apitar loucamente, e até podemos pedir a um amigo para nos ameaçar com uma arma de arremesso, que as coisas não vão acontecer.

Nessas alturas não vale a pena forçar. Porque estamos demasiado absorvidos por outra coisa, preocupados ou distraídos. Há dias em que simplesmente nos apetece mergulhar no sofá e ver a lixeira na TV durante 12h seguidas. E, em certos dias, a coisa mais produtiva que podemos fazer é isso mesmo!

É sinal de que precisamos de descansar. Sinal de que, algures, fizemos uma grande imbecilidade e precisamos de recuperar.

Não vale a pena afogar a vergonha num balde de gelado quando isso acontece. Somos humanos (e eu não me canso de o relembrar)! E o ócio faz parte da vida.


As coisas vão melhorar?


A produtividade, ou a vontade de fazer algo que nos trará prazer a longo prazo é algo que se treina.

Na adolescência parece que todos "nascemos cansados". Os primeiros anos a trabalhar parece que não conseguimos acertar o nosso relógio.

Mas, eventualmente, as coisas melhoram. Eu costumava ficar irritada quando ouvia isso da boca de um adulto. E agora dou por mim a dizê-lo. E a razão por que o faço é simples:

A experiência muda-nos. O mundo à nossa volta pode ficar igual. O teu chefe pode continuar a levar-te à loucura com a sua necessidade de micro-gestão. Mas tu mudas. Passas a arranjar tempo, passas a arranjar paciência, a arranjar motivação e a arranjar alegria.

O importante é não desistir por completo. Podemos e devemos fazer cedências temporárias em períodos ou dias complicados das nossas vidas. Não há mal nenhum em ver televisão durante 1h ou durante o dia inteiro. Não somos máquinas de produtividade, nem devemos aspirar a sê-lo, é desumano.

Mas é importante entender que esses períodos de cedência são temporários. É importante usá-los para recuperar do excesso de cansaço, mas, mais tarde ou mais cedo, temos que voltar à carga. Temos que forçar a barra e ir em frente.

A procrastinação pode ser usada para o bem ou para o mal. Usando-a para o bem podemos sarar a nossa criatividade. Usando-a para o mal leva-nos a esquecer as nossas feridas e a ignorar os nossos sonhos.

E tu, como tens usado a tua procrastinação?



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4 comentários:

SamantaSammy | 26 de agosto de 2012 às 03:23

Olá Ana, como vai? Fiquei muito feliz em revê-la na Blogosfera!! Seus textos são maravilhosos e sempre nos trazem excelentes reflexões!
E me identifiquei muito com o que escreveu. Eu aprendi na "marra" que é preciso respeitar nosso limites. Passei muitos anos da minha vida querendo ser produtiva o tempo todo, e até me sentia culpada quando não estava fazendo algo útil. Até mesmo nos momentos antes de dormir ou no banho eu ficava pensando em como melhorar minhas tarefas, em como fazer isso ou aquilo, etc. Até que o corpo e amente não aguentaram mais!
Cheguei a um ponto em que a memória começou a falhar e eu não tinha forças para fazer mais nada e não conseguia sequer ler 2 linhas de um texto sem me desconcentrar e assim tinha que ficar relendo inúmeras vezes até conseguir "entender".
Tudo isso porque não respeitei meus limites mentais e físicos.
Todos nós precisamos de um descanso físico e mental.
Assim como você, quando aprendi a alternar as atividades e me permitir fazer o coisas banais e divertidas sem utilidade alguma, foi quando comecei a ficar mais produtiva e até mesmo com mais energia física :)
Hoje por exemplo, trabalho no Dihitt, passo o dia olhando centenas de artigos, verificando um por um, encontrando spams, atendendo os usuários etc. Passo meus olhos em tantos artigos por minuto que tem momentos em que minha cabeça parece que vai explodir, aí o que faço ? Dou uma volta, olho umas piadinhas no facebook, etc. Assim consigo retornar à minha atividade mais leve e disposta.
Acredito que é claro, precisamos sempre estar atentos, pois tudo em excesso não faz bem, mas sem dúvidas uma dose saudável de procrastinação é sempre bem vinda e necessária :)
Arrasou, como sempre !

Um enorme abraço e que seu Domingo e semana sejam ótimos !

Ana Reis | 26 de agosto de 2012 às 15:48

Olá Sam! Tudo óptimo mesmo. Foi uma lufada de ar fresco voltar a escrever. Ainda por cima num tema que me tem fascinado tanto nos últimos tempos.
Falaste em culpa. Algo que me esqueci de mencionar. Acho que é um sentimento com o qual que vamos ter que aprender a lidar em algum momento das nossas vidas. Porque, apanhados na rede da produtividade, tudo o resto que não esteja directamente relacionado com o nosso trabalho nos parece fútil.
Ignorando que quando nos focamos em eliminar tudo o que é improdutivo, a qualidade do nosso tempo e da nossa atenção diminuem assustadoramente.
Acontece-me isso laboratório. Quando tenho experiências complicadas a decorrer, se tento meter-me noutras tarefas ao mesmo tempo, acabo por ficar com o cérebro em papa. E mesmo os problemas mais minúsculos parecem monstruosos.
O pior é que o mundo do trabalho convencional é completamente contra a procrastinação como exercício de criatividade. Como se ficar mais horas no escritório (ou no laboratório) fosse resolver o problema.
Vivemos num mundo em que o trabalho duro é extremamente valorizado. E por isso forçamos tarefas que devíamos adiar para momentos mais produtivos. E é por isso que os dias passam a correr. E é por isso que os dias da semana se fundem uns nos outros. E a nossa criatividade e motivação declina.
É bom saber que não sou a única a achar que uma pequena dose de Facebook resolve muitas dores de cabeça.
Obrigada pelo comentário espectacular.
Abraços!

roberto | 28 de agosto de 2012 às 10:38

Acho muito bem... até parece que trabalhar é um fim em si mesmo.... eu acho que não. A sociedade tem que produzir aquilo que precisa e tudo deve ser visto dessa perspectiva.

Qualidade de vida acima de tudo... e para certas pessoas exige muita procrastinação ;)

Ana Reis | 28 de agosto de 2012 às 19:13

Uma boa filosofia de vida! Eu sei que não sou exactamente uma boa procrastinadora, mas vou fazendo por mudar.
Um abraço

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