A importância de manter um diário

Manter um diário é como criar um porto seguro, ao qual podemos regressar sempre que os mares se revoltam.

Escrevo por experiência própria, manter um diário, mesmo com pouco frequência, tornou-me uma pessoa melhor. Ajudou-me a superar a passagem de grandes tempestades, e tornou-se o meu farol quando o mundo à minha volta ficava demasiado escuro para que eu pudesse distinguir o caminho.


créditos da imagem: Niklas Sjöblom

A nossa memória está longe de ser infalível. Como escreve António Damásio no seu “Livro da Consciência” a memória não é algo estático. Passamos muito tempo das nossas vidas a recordar e, ao fazê-lo, estamos a reescrever essas memórias. Assim, a nossa história é algo que vai crescendo connosco, que se vai modificando.

O objectivo deste mecanismo mental é encontrar padrões nos acontecimentos. E são estes padrões que nos permitam, de certa forma, prever o nosso futuro. Por outras palavras, estudar o passado ajuda-nos a determinar as consequências das nossas acções e a identificar o melhor caminho a seguir para atingirmos os nossos objectivos.

Como quando em bebés aprendemos que ao metermos a mão no fogo apenas nos vamos queimar. Essa simples recordação influencia o nosso comportamento para sempre. Aprendemos que o fogo é bom porque nos mantém quentes numa noite fria, mas aprendemos também a guardar a nossa distância para evitar a dor de uma queimadura.

E por que estou a contar-te tudo isto?


O problema de rever o passado é que o vamos alterando, ainda que de uma forma mínima. Por isso, a nossa memória do dia de hoje vai ser bastante diferente daqui a 10anos. O que vamos recordar pode ser o resultado dos nossos medos inconscientes que vão produzindo padrões que, originalmente, não existiam.

Isso significa que uma rejeição amorosa pode parecer-nos muito pior daqui a 10 anos. Porque, em todo esse tempo fomos explorando essa dor que sentimos e acabamos por a ampliar. E é aqui que ter um diário nos pode ajudar.

Escrever com as memórias frescas na mente para mais tarde rever os acontecimentos permite-nos:

  • Perceber quando a nossa reacção a uma determinada situação foi exagerada ou distorcida (muitas vezes porque a atitude de certa pessoa nos fez lembrar alguém que nos magoou);

  • Impede-nos de distorcer e tornar mais dolorosa a realidade;

  • Ao desabafar com o diário aprendemos a exprimir os nossos sentimentos e a identificá-los mais facilmente;

  • Escrever com os sentimentos à flor da pele alivia a nossa dor e elimina a irracionalidade das nossas palavras e pensamentos;

  • Permite-nos perceber quando entramos num ciclo vicioso de dor e sofrimento e revela-nos a chave para sair desse ciclo;

  • Permite-nos criar uma relação saudável connosco próprios e, como consequência disso, aprendemos também a construir relacionamentos mais saudáveis com outras pessoas.

Apesar de tudo conheço poucas pessoas que tenham o hábito de descrever a vida para si próprias. Muitos consideram que um diário é sinónimo de perda de tempo, que não nos trará benefícios nem mudanças significativas na nossa vida.

A minha resposta a estas dúvidas: depende até que ponto estás disposto a comprometer-te com o teu diário.

Escrever por escrever. Escrever acontecimentos superficiais, isso sim, é uma perda de tempo. Mas explorar e questionar as nossas ideias, dúvidas e emoções é algo que nos levará ao limite. E é no limite que aprendemos mais sobre nós próprios.

Escrever e a capacidade de liderar


Para sermos líderes da nossa vida temos primeiro que ser líderes de nós próprios. E isso não algo que se conquiste de ânimo leve. Porque, para liderar temos que enfrentar os nossos piores demónios e sair vencedores.

Temos que cultivar uma atitude de firmeza em relação aos nossos próprios sentimentos. Temos que ser capazes de os abraçar e não nos deixarmos levar por eles.

Um diário permite-nos construir bases para a nossa vida emocional. E isso ajuda-nos a desenvolver o nosso carácter, um carácter que seja integro, firme e gentil.

À primeira vista estas parecem qualidade nada vantajosas para os tempos que correm.

Afinal de contas, quem precisa de integridade num mundo competitivo como o de hoje? E quem precisa de firmeza de carácter e de gentileza quando é a hostilidade que ganha batalhas?

Mas a hostilidade e a competitividade dificilmente aumentam o nosso valor enquanto seres humanos. Essas são as características das pessoas reactivas, pessoas que vivem uma vida de submissão aos acontecimentos externos, e que nada fazem para reclamar o seu papel como líderes de si próprios.

Conclusão


A sorte não acontece a quem se limita a esperar por ela. A sorte é forjada com o esforço, a paixão e a visão de grandes homens e mulheres. E o resto são pormenores, nada mais simples do que isso.

Mas o esforço, a visão e a paixão só acontecem a quem se conhece bem a si próprio. A quem não tem medo dos seus demónios, sejam eles: timidez, excesso de peso, incapacidade de falar em público ou de levar os seus projectos até ao fim.

Porque os demónios escondem oportunidades. E quanto mais assustadores os teus demónios, maiores os ganhos que advirão da sua conquista.

Pelo menos é assim que eu penso. Se não fosse pela minha timidez duvido que me tivesse interessado tanto pela comunicação, que tivesse aprendido a escutar verdadeiramente os outros, duvido até, que me tivesse embrenhado tanto no universo da escrita.

Manter um diário dá-nos o poder de julgar e avaliar as acções e sentimentos. Um poder que enobrece a alma. Porque se nós nos desmarcarmos de fazer isso, aqueles que nos rodeam encarregar-se-ão de nos julgar.

Enquanto que, se aceitarmos a responsabilidade de nos julgarmo-nos a nós próprios, estaremos a construir a nossa confiança e auto-estima. O nosso julgamento passa a ser mais importante que as palavras dos outros e, com isso, estamos a reclamar o poder de liderar as nossas vidas.

Um bónus


Mantenho o meu diário usando um software gratituito - RedNoteBook - óptimo para quem gosta de escrever no computador.

Podes fazer o download aqui e organizar as tuas entradas por temática e etiquetas, como se fosse um blogue.

Recomendo que escrevas, pelo menos, uma vez por semana. Relatando os acontecimentos da semana passada e anotando com detalhe as tuas expectativas para a nova semana. Assim, terás a verdadeira noção do teu progresso, erros e sucessos, e será mais difícil que te deixes levar pelo marasmo do dia-a-dia. Porque, com um diário, será quase impossível esqueceres as tuas resoluções.

Leitura recomendada:

10 comentários:

José Sidney Pereira | 19 de fevereiro de 2011 às 11:56

A ideia e conceito é excelente. Realmente, passar para o papel, clareia a percepção. Quando escrevemos, somos obrigados a pensar, a tomarmos posições. E, melhor ainda, a assumirmos essas posições tomadas.

Uma excelente forma de sermos senhores de nós mesmo.

Nunca mantive um diário formal. Mas sempre rabisquei minhas impressões e pensamentos, mesmo que não fosse para guardar. Usava isso para "fotografar" meu Eu acessível, atual.

Hoje, opto pela ficção. Escrevo meus Contos, conto minhas histórias pela boca e vida de outros personagens. E, graças ao exercício passado de "escrever esse diário", reconheço em cada personagem um pedacinho de mim. Nos Anjos e nos Demônio também.

Abraços

Ana Reis | 19 de fevereiro de 2011 às 14:32

Olá José, muito obrigada por partilhar a sua experiência connosco.

Estou completamente de acordo quando escreve que manter um diário nos obriga a tomar posições. Porque isso é algo que evitamos normalmente.

Evitamos tomar posições para não incomodar as pessoas e para não termos que passar por situações stressantes. E acredito que ter carácter se resume a isso: tomar posições e definirmo-nos a nós próprios.

Eu costumo ter a casa cheia de folhas rabiscadas. Não sei se isso encaixa na definição de diário formal. E isso não é muito importante, porque quer seja de forma escrita (mesmo em contos como é o seu caso), fotografia, música ou vídeo, a verdade é que é nesse processo de tentar entender a vida que conquistamos a liderança de nós próprios.

Escrever ficção acaba por revelar muitas coisas sobre nós que nos passavam antes ao lado. E tanto os anjos como os demónios fazem parte do nosso carácter, por isso, temos que nos dispôr a conhecê-los.

Um grande abraço

Leila Franca | 19 de fevereiro de 2011 às 16:33

Olá,

Comecei a escrever um diário quando era adolescente e ganhei um diário com capa de couro e até cadeado com chave. Escrevi durante muito tempo, mas logo tive uma decepção, pois enquanto eu tomava banho, uma amiga que me aguardava em meu quarto abriu meu diário e começou a ler. Lembro que brigamos e depois disso deixamos de ser amigas como antes.

Acho muito válido o ato de escrever principalmente quando passamos por períodos de estresse porque escrever nos ajuda a entender o que está acontecendo e a tomar decisões. Quando estamos preocupados e ansiosos, pensamos muito rápido e por isso muitas vezes não conseguimos encontrar soluções mais acertadas. Quando escrevemos, forçamos o pensamento a ir mais devagar, então podemos assim raciocinar melhor.

Entretanto o problema da privacidade é o que me freia na hora de escrever. As pessoas são curiosas e querem saber o que estamos fazendo. Se alguém lê o que escrevemos num momento de emoção, podem não entender, ou interpretar de forma errada. Por isso escrevo muito, mas logo jogo tudo fora. Então pra questão da memória, eu acho que não serve, a menos que escrevamos para "os outros" e não o nosso mais íntimo pensamento, o que não é a mesma coisa.

Ana Reis | 19 de fevereiro de 2011 às 18:51

Olá Leila! Muito obrigada pelo comentário e pela partilha dum pouco da sua história.

Eu compreendo o seu medo. Algo de semelhante aconteceu comigo à alguns anos, mas tirando uma conversa incómoda não tive problemas de maior. Mas é como destacou, quando escrevemos para nós fazemo-lo de uma forma que os outros podem interpretar de forma errada.

Gostei muito quando diz que, quando escrevemos forçamos o nosso pensamento a reduzir a velocidade. E isso é o que torna a escrita numa óptima ferramenta de auto-conhecimento. Uma busca que descuramos muitas vezes pela pressão do dia-a-dia.

A privacidade, no entanto, continua a ser uma questão importante. Não existe nenhuma solução perfeita para esse problema. Porque as pessoas são demasiado curiosas, algumas chegam mesmo a alimentar-se das dúvidas dos outros, e isso pode fazer com que, o simples acto de manter um diário se transforme no nosso ponto vulnerável.

Actualmente existem muitos softwares de "journaling" protegidos por password na web para download. Existem mesmo empresas que, por uma cota mensal, mantenhem os nossos diários nos seus servidores protegidos de qualquer acesso externo. Contudo, nenhuma password no mundo nos pode garantir que o nosso diário se vai manter secreto.

Por isso mesmo acredito que esse medo se supera pela atitude. Manter um diário e a privacidade são direitos de todos os cidadãos. Eu escolhi aceitar o risco (mínimo) de perder a privacidade pela oportunidade de crescer enquanto pessoa. Mas isso é uma escolha que cabe a cada um.

Um grande abraço

SamantaSammy | 20 de fevereiro de 2011 às 19:02

Olá queridíssima !!!

Adorei sua sugestão e vou certeza vou utilizá-la !
Sem dúvidas acredito que manter o diário além de nos relembrar com mais eficiência do que a memória sobre os momentos críticos e nossas reações, conclusões, também é um exercício de auto conhecimento muito valioso !
Como contigo a timidez me impulsionou a escrever, e a cada dia me sinto uma pessoa melhor e mais leve, vencendo esta barreira, o que começou como desabafo no blog, hoje me ensinou a enriquecer minhas relações fora do mundo virtual, então creio que o diário só irá complementar este aprendizado !!
Valeu mesmo a dica, adorei !!!
E mais uma vez parabéns pelo belíssimo texto, sou fã da maneira como você escreve e também da sua visão sobre as coisas :)
Um beijããooo

Ana Reis | 20 de fevereiro de 2011 às 21:17

Olá Sam! Muito obrigada pela participação :)

Engraçado que eu agora também começo a sentir que o meu blogue me está a ajudar com as minhas relações fora da rede. Por isso comecei ao contrário de ti, comecei o meu caminho pela exploração dos meus sentimentos num diário e, agora, finalmente, dei o salto para o mundo virtual.E tenho aprendido imenso neste últimos meses, contigo e com tantos outros blogueiros espectaculares e, principalmente, porque fui capaz de me mostrar ao mundo (virtual pelo menos) tal como sou.

E isso foi um grande salto no meu desenvolvimento enquanto pessoa!
Apesar da timidez ser uma barreira para muita gente acredito mesmo que é nessa luta para a superar que acabamos por fazer coisas maravilhosas. Por isso continuo a escrever e a lutar. Porque ter um diário nos dá uma sensação de progresso, de que os nossos esforços têm sempre resultados, ainda que nem sempre sejamos conscientes deles.

Manter um diário ajuda-nos também a encontrar o nosso centro e a nossa razão de existir. E isso é o que dá ao ser humano a capacidade de liderar.
Muita sorte com a tua nova aventura de manter um diário.
Bjocas enormes e obrigada pelo elogio

Imperador | 23 de abril de 2012 às 00:22

Amei o seu blog, há muito eu venho procurando apoio para pensamentos meus de iniciativas, desenvolvimento e desempenho...
Confesso que seu blog me motivou a usar um diário, coisa que não tenho conseguido manter em atividade há muito tempo.
Vou colocar seu blog no meus favoritos. Em breve comentarei aqui sobre meu diário.
Um respeitoso abraço a você e todos os que levam com seriedade atitudes que nos ajudam a desenvolver...

JP | 12 de julho de 2012 às 20:51

Olá,
Eu sempre tive o costume, desde alguns acontecimentos na minha puberdade, de tentar ao menos salvar o máximo de memórias o possível - seja com textos, fotos, música, vídeos - qualquer tipo de artefato que me trouxesse alguma lembrança do meu passado, fosse ele bom ou não.
Neste ano eu tive a ideia de relatar, de forma subjetiva, todos os dias vividos.
Eu achava que diários eram coisas bobas e, preconceituosamente, de menininhas. Mas hoje mudei meu conceito, e vejo o quão melhor estou em diversos aspectos.
É claro que nem todos os dias consigo escrever muita coisa, afinal o mundo moderno nos faz cair em uma rotina chata as vezes. Porém é extremamente gratificante abrir o arquivo do diário (escrevo no computador) e ver tudo o que eu fiz até agora. Eu sinto orgulho disso!

Parabéns pelo post, que mesmo um pouco antigo, continua muito bom!

Atenciosamente,

JP

Ana Reis | 20 de agosto de 2012 às 19:31

Olá, em primeiro lugar quero dizer que lamento todo este atraso em responder ao teu comentário.
Sabes que é muito raro, encontrar pessoas que tenham por hábito manter um diário onde guardam regularmente as suas recordações. Não sei se tens a mesma sensação... eu sempre mantive um diário, com altos e baixos, às vezes escrevendo até nos cadernos da escola quando as aulas se tornavam demasiado aborrecidas! Em todos estes anos compensou ter feito esse esforço, porque ler coisas de quando temos 13 anos é extremamente esclarecedor. E é como dizes, também não consigo evitar sentir-me orgulhosa de todas essas experiências.
Acima de tudo um diário dá-nos uma noção de profundidade. Não só da nossa vida, mas também de nós próprios. Dá-nos a noção de que nos nossos medos são passageiros, como tudo o resto, excepto o nosso verdadeiro carácter, que se vai revelando aos poucos ao longo de meses ou até anos de reflexão.
O diário é a ferramenta número 1 para quem deseje melhorar ou apenas conhecer-se a si mesmo. Não desistas dessa prática espectacular!
Um abraço,
Ana

MURILO MURÇA DE CARVALHO | 23 de outubro de 2012 às 19:16

Ana,
resolvi, tardiamente, fazer um diário (sou de 1949) e fiz uma breve busca na internet, onde tive a felicidade de encontrá-la e receber boas dicas. Vou acompanhar.
Murilo

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