Atreves-te a quebrar os teus limites?
A muralha que dividia o mundo
O homem encarava a muralha com o rosto franzido.
Sabia que para lá da gigante parede de rocha se estendia um mundo desconhecido. O seu instinto dizia-lhe que, do outro lado da parede, os pastos seriam mais verdes, o céu mais azul e o Sol mais intenso. Tinha que atravessar.
Passava os dias sentado a contemplar o imenso obstáculo e a elaborar planos para desvendar as maravilhas que escondia aquele muro.
[caption id="attachment_727" align="aligncenter" width="518"]

Não podia escalar a muralha. A sua superfície era lisa, não teria onde colocar os apoios que sustentassem o seu peso durante a subida.
A parede eleva-se para lá das nuvens. Não havia forma de saber quanto tempo ia demorar a escalada. E mesmo que sobrevivesse a essa aventura, não sabia o que o esperava do outro lado do muro, não sabia se seria capaz de descer.
Não podia contornar a muralha. Já tinha percorrido o trilho que acompanhava o obstáculo durante meses para se deparar sempre com o mesmo cenário.
Não podia passar por baixo da muralha. O solo era rocha dura, não havia maneira de o perfurar. Só lhe restava tentar perfurar a parede.
A pedra da muralha não era tão dura como a pedra que a sustentava. Ele tinha que tentar.
Primeiro avançou furioso contra a muralha, sem qualquer protecção. Apenas para falhar miseravelmente. O homem tinha pensado, ingenuamente, que a força da sua fúria superava a força da muralha.
O repetido embate com as rochas causou-lhe grandes mazelas, mas a parede continuava incólume. O homem demorou muitos dias a recuperar das feridas, e passaram-se muitas semanas até que voltasse a ter coragem para uma nova tentativa.
Quando se preparava para o novo embate com a rocha, agora protegido com uma rudimentar armadura de couro, o homem apercebeu-se de uma simples verdade:
Se posso construir uma armadura também sou capaz de construir uma ferramenta que suporte a dor do embate por mim!
Levado pelo emoção da descoberta construiu um martelo, com rocha e madeira. Testou, com cuidado, o seu novo instrumento contra a parede e sentiu-a vibrar. Sorriu! Era a primeira vez que via a muralha a reagir a uma investida sua.
Golpeou a parede durante dias, até as suas mãos sangrarem de tanto empunhar o cabo de madeira. Até o sangue parar de correr e ser substituído por grossos calos.
Semanas de trabalho e muitos martelos destruídos apenas tinham resultado numa pequena reentrância. Iria demorar uma eternidade a abrir um buraco que permitisse a sua passagem.
O homem sentiu-se desanimar. As suas dúvidas foram corrompendo a sua curiosidade e coragem. Valeria a pena lutar toda a sua vida por um mundo desconhecido? Ele não tinha como saber se a parede algum dia iria ceder. Não tinha como saber o que lhe esperava do outro lado da muralha.
A gigante parede estava lá por alguma razão, talvez não existisse nada, talvez o esperasse um mundo de dor e destruição. Não valia a pena continuar a debater-se com a rocha dura. O homem tinha ainda tantos sonhos por realizar.
Aos poucos foi largando o martelo. Decidiu que estava na altura de explorar o mundo do seu lado da muralha. Reuniu os seus poucos pertences e fez-se à estrada, sem olhar para trás. A muralha faria agora parte do seu passado, uma parte dolorosa à qual nunca desejaria regressar.
O homem viajou pelo mundo durante muitos anos. Conheceu pessoas maravilhosas. Aprendeu muitas habilidades. O que mais o fascinava eram os instrumentos construídos pelo engenho e imaginação humanas. Instrumentos gigantes que transformavam o génio dos artesãos em pura força.
[caption id="attachment_730" align="aligncenter" width="553"]

Ofereceu-se como aprendiz em muitas oficinas. E absorveu todo o conhecimento como uma esponja.
O sol amanhecia numa bela manhã outonal quando o homem voltou a lembrar-se da muralha que tinha deixado para trás. Ela tinha estado sempre lá, no fundo da sua mente, chamando-o suavemente, todos os dias. O homem sabia que nunca poderia seguir com a sua vida se não arriscasse uma nova travessia.
Muitos criticaram a sua decisão. Ele tinha chegado àquela terra como um farrapo de homem. E depois de muito trabalho tinha conquistado respeito, honra e uma vida confortável. Não fazia sentido abandonar tudo isso para seguir o sonho idiota de perfurar a parede que dividia o mundo.
As pessoas que o conheciam vinham todos os dias oferecer os seus conselhos, tentando dissuadi-lo da sua decisão. Falavam com ele como se costuma falar com as crianças. E ao ver que as suas palavras não tinham qualquer efeito, um a um, os habitantes da vila que o tinha acolhido, partiam.
Quando o homem, por fim, encontrou o paz e silêncio, começou a trabalhar num plano para destruir a muralha.
Demorou poucos dias, impulsionado pelo seu rico conhecimento sobre a construção de máquinas e pela vontade antiga de se debater de novo com a grande barreira.
Com o plano concluído, o material reunido e as malas feitas, o homem despediu-se das pessoas que o tinham recebido. Muitos tinham a certeza de que o voltariam em poucos dias. Tinham a certeza que, depois de mais umas tentativas frustradas o homem voltaria para eles. E eles recebê-lo-iam de braços abertos.
O homem ignorou a reprovação silenciosa da sua decisão e retomou a estrada pela qual havia chegado à muitos anos. Encarou a aldeia que o tinha visto tornar-se o homem que era hoje. E lágrimas caíram dos seus olhos. Nunca esqueceria a bondade que aqui tinha encontrado, nem a beleza das construções emolduradas por aquele belo nascer do Sol.
Seguiu o seu caminho com o coração pesado. Mas quando finalmente viu a muralha surgir ao longe, o homem soube que tinha tomado a melhor decisão.
As suas mãos acariciaram a reentrância que tinha deixado na parede. E um sorriso saudoso surgiu no seu rosto.
Organizou as suas ferramentas e material e iniciou a construção da máquina que iria debater-se com a muralha.
Trabalhou dia e noite. Parando poucas vezes para comer e dormir. O entusiasmo era o seu alimento, e não precisava de descanso, sentia que tinha dormido todos estes anos.
Quando a máquina ficou pronta o homem conseguiu respirar. Contemplou a sua invenção com ternura. Nunca antes tinha desafiado tanto o seu génio e imaginação como nesta construção. Sentia que o intrincado sistema de válvulas e articulações era uma parte da sua alma.
A máquina iniciou o seu movimento com um barulho que seria infernal aos ouvidos qualquer um. Mas, aos ouvidos do homem, a barulheira era uma música celestial. Naquele momento, mesmo antes da broca embater na parede de pedra o homem soube que não era importante aquilo que ia encontrar do outro lado.
Naquele momento o homem soube que, nos últimos anos, tinha estado a atravessar lentamente a muralha. Tinha fortalecido o seu corpo e as suas ideias. Tinha aprendido a construir máquinas tão fortes como a muralha que barrava agora o seu caminho.
O outro lado seria apenas o começo de algo novo, porque a muralha à muito que tinha deixado de ser um monstruoso obstáculo.
FIM
Moral da história
Espinoza disse que devemos combater uma emoção com consequências negativas com outra emoção da mesma intensidade. Significa que não podemos derrubar uma muralha com um martelo.
Mas podemos aprender a construir uma máquina (um sentimento) capaz de se debater com essa muralha. E é nessa construção de sentimentos fortes que encontramos a nossa coragem.
Nas últimas semanas decidi embarcar numa dieta. Para perder aqueles teimosos 7 kg que se recusam a desaparecer.
Para além dos inúmeros conselhos gratuitos que todos parecem ansiosos por me transmitir (do género: “não precisas de perder peso, estás muito bem assim”), tive que lidar com a minha própria fraca força de vontade para me manter afastada de doces e outros alimentos que adoram instalar-se no meu rabo.
Emagrecer não é uma mania de quem tem fraca auto-estima (lamento desiludir os imensos defensores dessa ideia).
Emagrecer é um objectivo de quem sabe que merece um corpo melhor e está disposto a lutar por isso. Mas essa não é a mensagem dominante que passamos sobre as dietas.
As minhas razões para emagrecer estavam muito claras na minha cabeça. Contudo, foram os raros os dias em que eu não dei um pontapé na dieta. Em vez de me manter fiel ao plano decidi que gostava demasiado de comer e que o meu corpo estava perfeito da forma que estava.
Claro que ficava horrorizada sempre que subia à balança ou me contemplava ao espelho. Mas afogava esses momentos de angustia no prazer dos intoxicantes momentos doces.
Conclusão, não fui capaz de emagrecer e ainda acrescentei um doloroso meio kilo ao meu peso. Foi aí que percebi que tinha que mudar a forma como me debatia com a minha muralha. Decidi construir um sentimento mais forte para combater a minha falta de vontade.
Percebi que os doces eram fonte de prazer momentâneo. Um prazer e satisfação que duravam escassos minutos enquanto o sabor se dissolvia na minha boca.
Estava a associar a comida à satisfação pessoal e a fingir que as bombas calóricas que teimava em ingerir não iam ter qualquer efeito no meu plano alimentar (e no meu peso, claro está!).
Percebi que estava a trocar uma satisfação pessoal duradoura (alcançar o meu peso ideal) pelo prazer instantâneo e efémero. Percebi que, evitar comer alimentos que engordam pode ser doloroso a curto prazo. Mas, se for capaz desse esforço, a minha paciência será compensada com um corpo muito mais satisfatório.
Uma simples verdade
Não podemos lutar por grandes objectivos com uma força de vontade frágil. Não podemos afastar um leão com um galho de uma árvore. Nem podemos ultrapassar os nossos limites com pensamentos fracos.
Para o fazer temos que nos munir de sentimentos intensos. Capazes de derrubar os pensamentos desencorajadores que, muitas vezes, invadem a nossa mente.
Quando temos grandes objectivos em mente, temos que desenvolver sentimentos intensos que ofusquem as dúvidas, que fariam qualquer homem são esconder-se a um canto com medo e vergonha.
Tentar quebrar os nossos limites pode ser motivo de angústia. Mas deves estar atento porque, se passas a vida a refugir-te em prazeres momentâneos significa que sentes um vazio na tua vida. E só na luta para quebrar esses limites poderás encontrar satisfação e realização duradouras.
Para combater um grande medo deves cultivar um sentimento oposto, igualmente intenso. Assim, quando entrares em terreno incerto não estarás numa competição desleal. Estarás munido de um sentimento poderoso e isso é essencial, quer na luta diária, quer na luta por sonhos e objectivos que nunca antes foram conquistados.
O que é te prende do lado escuro da muralha?